Resenha
Um grito de socorro na floresta

Por Walter Pinto |Arte: ed.ufpa
Um estudo sobre o aplicativo de celular Alerta Clima Indígena, que tem por objetivo ampliar a difusão de informações sobre incêndios, desmatamento, chuvas e temperatura em 380 terras indígenas da Amazônia brasileira, proporcionou à pesquisadora Clarissa da Silva Rayol, mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Cultura e Amazônia, do Instituto de Letras e Comunicação da UFPA, o Prêmio Eduardo Peñuela, de melhor dissertação em Comunicação Social de 2022. Oferecido pela Associação de Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós), o prêmio reconhece a potencial contribuição do estudo à ciência produzida na região amazônica.
O livro O Aplicativo Alerta Clima Indígena: digitalização das terras indígenas à luz da ecologia da comunicação foi a culminância daquele reconheci mento. Clarissa Rayol é graduada em Secretariado Executivo Trilíngue pela UEPA e integra o Grupo de Pesquisa em Comunicação, Ciência e Meio Ambiente (UFPA/UFRN). Sua dissertação foi orientada pela professora Luciana Costa.
A Ecologia da Comunicação é uma abordagem teórica e interdisciplinar que analisa a relação entre comunicação, tecnologia, meio ambiente e sociedade. Busca entender como a comunicação afeta e é afetada pelo contexto ecológico em que ocorre. Valendo-se do arsenal analítico dessa abordagem, a autora buscou respostas à questão norteadora do estudo: quais experiências da ecologia da comunicação são produzidas pelo processo de digitalização das terras indígenas no contexto de mudanças climáticas, materializado no aplicativo Alerta Clima Indígena?
Ressalte-se que o aplicativo foi desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), com o apoio da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), do Conselho Indígena de Roraima (CIR), da Comissão dos Caciques e de Lideranças Indígenas da Terra Indígena Arariboia (Cocalitia), do Instituto Raoni, da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Mato Grosso (Fepoimt) e da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa).
Em busca de respostas ao problema da disser tação, a autora dialogou com os participantes da construção da plataforma, entre os quais, interlocutores indígenas e não indígenas. O resultado deste percurso investigativo está descrito em quatro capítulos. No primeiro, Clarissa Rayol localiza o debate climático atual e a participação do movimento indígena em instâncias formais de discussões, para entender os fluxos de comunicação que possibilitaram a aproximação das organizações indígenas e organizações não indígenas. No segundo capítulo, de cunho mais teórico, o estudo analisa a ecologia da comunicação e o processo de digitalização das terras indígenas. No terceiro capítulo, a autora reconstrói a história da construção colaborativa do aplicativo, assim como descreve as organizações indígenas parceiras do empreendimento. Por f m, o quarto capítulo analisa a digitalização das terras indígenas, por meio da imersão na arquitetura do aplicativo e dos seus usos e apropriações.
Ao centrar o foco sobre o povo mebêngôkre (kayapó), da terra indígena capoto/jarina, a pesquisadora observou, entre outras conclusões, que aqueles indígenas “se apropriam do aplicativo na organização social e convidam-nos a perceber a complexidade das redes ecológicas formadas”. Desta forma, Clarissa percebe que o Alerta Clima Indígena pode contribuir para a formulação de planos de gestão territorial e ambiental, pois “amplia não somente as informações sobre as terras indígenas, como também expande as redes de diálogo para fortalecimento do que já é realizado pela comunidade e o que pretende fazer no tocante às demandas e expectativas”.
Para a autora, o aplicativo, mais do que um artefato ou aplicativo que joga luz sobre a organização indígena, possibilita perceber “um processo mais amplo, há muito tempo silenciado pela história, espécie de ‘grito de socorro’ daqueles que tiveram suas vozes limitadas pelo ocidente: povos indígenas, florestas, animais, rios e todos os componentes possíveis de ecoarem suas vozes digitalmente”. Sem desmerecer a importância das diversas formas de abordagens, Clarissa considera a proposta teórico-metodológica da ecologia da comunicação adotada na dissertação, agora publicada em livro, como uma “lente apropriada para a investigação da digitalização oriunda do aplicativo, sobretudo pela dimensão ecológica, conectiva, inserida no contexto das mudanças climáticas, cujas transformações não são visíveis somente no clima em si, mas em toda a ecologia”.
Serviço – O aplicativo Alerta Clima Indígena: digitalização das terras indígenas à luz da ecologia da comunicação. Clarissa da Silva Rayol. Editora: Pontes, 2023. Número de páginas: 129. Pedidos pelo e-mail ponteseditores@ponteseditores.com.br.
Beira do Rio edição 174 - Março, Abril e Maio
Redes Sociais