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HIV: jornada da cura no século XXI

Publicado: Quinta, 18 de Dezembro de 2025, 17h05 | Última atualização em Quinta, 18 de Dezembro de 2025, 20h01 | Acessos: 6

Preconceito ainda é um obstáculo para o tratamento e a qualidade de vida

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Por Luiza Amâncio | Foto: Anna Shvets/Pexels 

No início da década de 1980, os clínicos e os virologistas do Hospital Bichat – Claude Bernard, em Paris, tiveram uma missão diferente: isolar um retrovírus até então desconhecido, semelhante em estrutura ao HTLV (Vírus T Linfotrópico Humano). Testagens, pesquisas, análises… Eureka! O primeiro registro fotográfico do vírus desconhecido é de 4 de fevereiro de 1983, três anos após os primeiros casos de uma doença misteriosa causada por ele. O Vírus da Imunodeficiência Adquirida (HIV) tem sido objeto de estudo contínuo ao longo das últimas décadas. Notavelmente, o século XXI vem testemunhando os avanços mais significativos de tais estudos.

Em 2002, o Jornal Beira do Rio alertava para o perigo das doenças oportunistas, conhecidas por serem infecções que se aproveitam do sistema imunológico deficiente de pessoas com HIV. Segundo o Boletim Epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde naquele ano, foram notificados 1.464 casos apenas no estado do Pará. Já o documento publicado em dezembro de 2024 coloca o Pará em terceiro lugar no ranking das unidades federativas com maior taxa de detecção de aids no Brasil: 26,2 casos/100 mil habitantes.

Após tantas pesquisas, o número crescente de ocorrências é preocupante e, infelizmente, ainda não há vacina para combater a infecção. Mas por que é tão difícil conseguir tal imunização? O biomédico Antônio Vallinoto, especializado em Infecções Virais, esclarece que o retrovírus penetra nas células ao se ligar a receptores específicos por meio de suas glicoproteínas. Uma vez dentro, seu RNA é convertido em DNA, que se integra ao nosso material genético (genoma) no núcleo celular.

O problema é que não há como remover esse DNA infectado do corpo humano. No entanto existe a terapia com antirretrovirais, que é capaz de manter a carga viral (quantidade de vírus da imunodeficiência presente no sangue da pessoa infectada) estabilizada e evitar a aids –– estágio mais grave da infecção.

 AZT diminuiu o número de mortes e o índice de infecções oportunistas

O primeiro antirretroviral registrado foi a azidotimidina (AZT), que, inicialmente, não era um medicamento para tratamento de HIV, mas, sim, uma possível terapia contra o câncer. Na tentativa de descobrir quais remédios seriam eficazes para tratar a imunodeficiência, foi descoberto que, usado sozinho, o AZT funcionava. Naquele momento, ele foi responsável por diminuir o número de mortes e o índice de infecções oportunistas.

“As terapias antirretrovirais revolucionaram o curso da vida do portador do HIV e, ainda hoje, é o que nós temos de concreto. Existem projetos para a criação de vacinas (curativa ou preventiva), mas, na prática, não há nenhuma para prevenir ou mesmo tratar pessoas infectadas. O que nós temos são os inibidores”, afirma Antônio Vallinoto.

Atualmente, o tratamento se baseia em uma gama de medicações que agem contra os retrovírus, atuando como inibidores estratégicos em diversas etapas do ciclo de vida do vírus. O objetivo dessas terapias é impedir que o vírus infecte novas células do sistema imunológico ou, caso a infecção ocorra, que ele não consiga produzir novas partículas virais. Essa abordagem multifacetada visa suprimir a carga viral em níveis indetectáveis, permitindo a recuperação imunológica do paciente e melhorando, significativamente, não só a qualidade de vida, mas também a expectativa dela.

Após receber o diagnóstico, pacientes lutam contra o estigma

Embora tenham sido muitos os avanços científicos que proporcionaram uma melhora significativa na qualidade de vida das pessoas que vivem com HIV, o preconceito ainda é um dos maiores obstáculos enfrentados por quem recebe o diagnóstico. A questão em torno da soropositividade carrega décadas de desinformação, preconceito e discursos discriminatórios que, muitas vezes, afastam as pessoas do tratamento, excluem a possibilidade de uma rede de apoio e dificultam sua inserção social.

O vírus não se transmite por contágio e essa informação existe há mais de 40 anos. A infecção pode ocorrer por compartilhamento de materiais perfurocortantes contaminados, transfusões de sangue, relações sexuais sem proteção ou de mãe para filho durante a gravidez ou o parto. No entanto, embora haja o conhecimento sobre as formas de transmissão, quem convive com HIV enfrenta a discriminação decorrente de equívocos sobre como o vírus se espalha, bem como da associação histórica da doença com grupos sociais específicos, levando à crença incorreta e prejudicial de que a doença é exclusiva da comunidade LGBTQIA+.

E é para desmistificar esses tabus que a ONG Olívia atua. Fundada em 16 de outubro de 2014, a Organização da Livre Identidade e Orientação Sexual do Pará (Olívia) oferece acolhimento psicossocial, acompanhamento em saúde e testagem em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde. O diferencial, segundo Gleyson Oliveira, coordenador da ONG, é a humanização. “Aqui, nós não entregamos apenas um papel com o resultado. Nós conversamos, explicamos e acompanhamos o paciente do momento de abertura do prontuário até a primeira dose da medicação. Esse apoio faz toda a diferença, pois evita o abandono do tratamento”, explica.

O peso do preconceito se revela não apenas nas relações pessoais, mas também nas instituições de saúde. De acordo com Gleyson Oliveira, são inúmeros os relatos do comportamento frio de profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS). Em vez de um acolhimento humanizado no momento do diagnóstico, os pacientes encontram atendimentos rápidos, com informações apenas sobre o aspecto clínico, sem apoio psicológico ou emocional diante de uma notícia que muda completamente as suas vidas.

Essa abordagem, ainda distante da escuta e do cuidado integral, contribui para sentimentos de isolamento, medo e até mesmo negação do tratamento. A ausência de empatia reforça a ideia de que viver com HIV é uma condição marcada pela culpa ou pelo julgamento, quando, na realidade, o acesso ao diagnóstico deveria ser o primeiro passo para um tratamento adequado e uma vida saudável.

O estigma também é alimentado pela homofobia, que impacta, diretamente, a saúde mental de quem vive com HIV. “Ainda persiste a ideia de que HIV é ‘doença de gay’, o que é completamente falso. Essa associação causa sofrimento e exclusão, dificultando a adesão ao tratamento. A homofobia e o preconceito empurram muita gente para o isolamento”, afirma o coordenador.

Políticas públicas devem garantir tratamento eficaz e acolhedor

Romper com esse ciclo exige mais do que medicamentos eficazes: é necessário enfrentar o preconceito e investir em políticas públicas que garantam uma escuta qualificada, com profissionais preparados para lidar não apenas com o vírus, mas também com as vulnerabilidades sociais e emocionais que o acompanham. Afinal, o HIV é uma questão não apenas médica, mas também social e humana.

Nesse cenário, os avanços científicos não podem ser ignorados. Hoje, a terapia antirretroviral garante que uma pessoa com HIV viva de forma saudável e tenha uma expectativa de vida semelhante à da população em geral, desde que siga, corretamente, o tratamento. Como explica o professor Antônio Vallinoto: “Uma pessoa infectada com HIV e que faz a terapia antirretroviral de forma regular consegue permanecer saudável durante muitos anos, sem ter imunodeficiência. Mas é claro, desde que faça o tratamento regularmente”, afirma o especialista.

Vallinoto reforça, ainda, a importância do diagnóstico precoce: “Testou positivo, iniciou a terapia. Esse é o protocolo atual e é importante saber que essa terapia é para sempre. A diferença que vemos hoje, em relação às décadas passadas, é, justamente, a possibilidade de viver bem, sem evoluir para a AIDS, graças ao avanço dos antirretrovirais”.

O desafio, portanto, está em unir os avanços da Medicina à escuta humanizada. Se, por um lado, os antirretrovirais foram o grande avanço da Medicina em relação ao HIV; por outro, a falta de acolhimento e o peso do julgamento ainda afastam pessoas do tratamento. Garantir qualidade de vida a quem convive com o vírus significa, acima de tudo, reconhecer que a ciência só cumpre seu papel quando caminha com o cuidado humano.

Nota da edição: Em 15 de dezembro de 2025, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, anunciou que o Brasil foi reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e receberá certificação por conseguir eliminar a transmissão vertical do HIV, de mãe para filho (Fonte: Agência Brasil).

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