Ir direto para menu de acessibilidade.

GTranslate

Portuguese English Spanish

Opções de acessibilidade

Página inicial > Exclusivo > Mulheres e Meninas na Ciência
Início do conteúdo da página

Mulheres e Meninas na Ciência

Publicado: Terça, 25 de Fevereiro de 2025, 18h04 | Última atualização em Terça, 25 de Fevereiro de 2025, 18h05 | Acessos: 163

A infância silenciada: a realidade da violência sexual contra crianças indígenas

imagem sem descrição.

Por Evelyn Ludovina Foto Alexandre de Moraes

A infância deveria ser um tempo de sonhos, descobertas e pertencimento. Mas, para muitas crianças e adolescentes indígenas no Brasil, essa fase é marcada pela ruptura violenta daquilo que deveria ser intocável: sua dignidade e segurança. E, quando se trata de crianças indígenas, essa violência também se entrelaça a fatores históricos, culturais e políticos que não podem ser ignorados.

Com o intuito de caracterizar a violência sexual contra crianças e adolescentes indígenas, Anita Machado Bastos, vinculada ao curso de Psicologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), realizou um estudo intitulado A Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes Indígenas: Caracterização dos Casos Notificados no Pará no período de 2018 a 2022. Sob orientação da professora Milene Maria Xavier Veloso, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), a jovem pesquisadora aprofundou-se nesse tema após contato inicial durante uma disciplina ministrada por sua orientadora, que depois se transformou em um compromisso acadêmico e social. Segundo Anita, "a temática a escolheu".

A pesquisa, de caráter transversal, utilizou dados do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) do Pará, analisando estatisticamente, no Excel, os casos registrados de violência sexual contra crianças e adolescentes indígenas, entre 2018 e 2022. Foram excluídas notificações sem registro de raça, idade (0 a 19 anos) ou tipo de violência. A análise considerou variáveis da vítima (idade, sexo, escolaridade, deficiência/transtorno), da violência (tipo, recorrência, local, ano, município) e do autor (sexo, idade, vínculo com a vítima, uso de álcool).

Segundo o estudo, mais de 20 mil casos de violência contra crianças e adolescentes foram registrados no Pará, entre 2018 e 2022. Desses, 188 envolviam vítimas indígenas, sendo, mais da metade (55,85%), casos de violência sexual. O impacto foi maior entre meninas (93%) e adolescentes de 13 a 15 anos, que representaram quase um terço das notificações. E mais do que estatísticas ou relatos, essas crianças carregam histórias interrompidas e silenciadas pelo medo e pela impunidade.

"É uma violação grave contra os direitos de crianças e adolescentes, caracterizada por um ato sexual em que a vítima é pressionada ou forçada a satisfazer o abusador contra sua vontade. Esses atos com cunho sexual podem possuir ou não contato físico, o que o torna ainda mais grave nesse público, pois estão em um período de maior vulnerabilidade, passando por um processo de desenvolvimento psicossocial”, explica Anita Bastos.

Ainda de acordo com a pesquisadora, há também fatores externos que agravam mais essa realidade. O avanço do garimpo ilegal e do agronegócio, financiado por grandes empresas, tem levado à exploração sexual, além da introdução de drogas e álcool nas aldeias, colocando em risco a saúde e a segurança das crianças e dos adolescentes indígenas. "Na pesquisa, falo sobre como essas drogas chegam às aldeias justamente por essa influência externa. A saúde e a segurança dessas comunidades estão ligadas ao garimpo ilegal e ao agronegócio. Esses grupos chegam com o colonialismo enraizado, como se estivessem conquistando aquele território. Dependendo da vulnerabilidade da comunidade, podem oferecer comida, roupa e bebida alcoólica em troca de abusar das crianças. A maioria das vítimas são meninas indígenas de 11 a 13 anos, que, em muitos dos casos, acabam também engravidando”, alerta Anita.

A intersecção entre vulnerabilidade e invisibilidade

As representações de infância nas culturas indígenas, muitas vezes influenciadas por construções sociais externas, afetam a forma como as crianças indígenas são tratadas em relação aos seus direitos e à violência que sofrem. Portanto, para enfrentar essa realidade, é necessário que exista um olhar que respeite as especificidades culturais e denuncie tanto as violações quanto a negligência do Estado em garantir os direitos desses povos.

Como observa Anita, "não existe uma infância no singular, mas infâncias, permeadas por construções sociais que impactam sua representação dependendo do seu caráter histórico, político e cultural. Isso afeta não apenas a vulnerabilidade, mas também a invisibilidade, o que faz com que essa violência seja cada vez mais silenciada, pois os órgãos responsáveis, muitas vezes, não fazem as notificações adequadas ou não tomam as devidas providências”.

Além das estatísticas, a realidade das crianças e adolescentes indígenas é muito mais complexa e exige uma rede de proteção efetiva para que seus direitos sejam garantidos. Nesse contexto, o Conselho Tutelar e as Casas de Saúde Indígena desempenham papéis fundamentais. O Conselho Tutelar, como um dos principais órgãos de proteção aos direitos das crianças e dos adolescentes, tem a missão de zelar pelo cumprimento da legislação e tomar medidas protetivas quando necessário. Já as Casas de Saúde Indígena, locais essenciais para o atendimento médico e psicológico, desempenham um papel crucial no acolhimento, tratamento e encaminhamento de vítimas de violência. "Esses órgãos fazem parte de uma ampla rede de proteção e estão presentes em comunidades mais isoladas, o que é fundamental para garantir o cuidado às vítimas. Um dos casos dessa pesquisa envolveu uma criança de 4 anos que recebeu tratamento para reduzir os riscos de infecções sexualmente transmissíveis. Essas instituições estão fazendo um trabalho importante nesse sentido", afirma a jovem pesquisadora.

No entanto apenas a legislação não é suficiente para garantir e efetivar os direitos humanos dos povos indígenas, especialmente de suas crianças e adolescentes. Para enfrentar esse cenário, é necessária uma articulação mais ativa entre as leis e as ações concretas que promovam o respeito e a garantia dos direitos desses povos.

Sobre a pesquisa: O estudo intitulado A Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes Indígenas: Caracterização dos Casos Notificados no Pará no Período de 2018 a 2022 foi desenvolvido por Anita Machado Bastos (IFCH-UFPA), sob orientação da professora Milene Maria Xavier Veloso (IFCH-UFPA), com financiamento da UFPA.

Sobre a pesquisadora: Anita Machado Bastos, com 21 anos, é graduanda do sexto semestre de Psicologia e almeja continuar seus estudos com um mestrado na Universidade. Interessada pela clínica e pela abordagem psicanalítica, Anita também se dedica à escrita de poesia e ao violão. Ela deixa um conselho para quem está começando na pesquisa: “É preciso que se tenha uma base sobre o que será abordado na pesquisa, assim como das diferentes metodologias que você utilizará. Também é importante ter referências teóricas consistentes e a pesquisa trazer, para o meio científico, novas contribuições”.

Edição: Maissa Trajano
Beira do Rio Ed.173 - Dez/Jan/Fev 2024-2025

Fim do conteúdo da página