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Homem não se cuida?

Publicado: Quarta, 14 de Fevereiro de 2024, 17h35 | Última atualização em Sexta, 01 de Março de 2024, 19h13 | Acessos: 140

Estudo reflete sobre o comportamento de homens belenenses, quanto ao autocuidado com a saúde

#ParaTodosVerem:Fotografia mostra, em primeiro plano, um homem sentado no chão. Suas pernas e braços estão estendidos para frente e tocam um móvel modular de cor branca. Ele veste bermuda jeans e blusa de malha cinza com listras vermelhas. Ao seu lado, um homem está de cócoras e observa o exercício. Ele veste calça preta, blusa e jaleco brancos. Ao lado dele, em pé, há uma pessoa cuja cabeça não se vê. Ela  usa calça preta, jaleco branco e tênis.
#ParaTodosVerem:Fotografia mostra, em primeiro plano, um homem sentado no chão. Suas pernas e braços estão estendidos para frente e tocam um móvel modular de cor branca. Ele veste bermuda jeans e blusa de malha cinza com listras vermelhas. Ao seu lado, um homem está de cócoras e observa o exercício. Ele veste calça preta, blusa e jaleco brancos. Ao lado dele, em pé, há uma pessoa cuja cabeça não se vê. Ela usa calça preta, jaleco branco e tênis.

Por Matheus Luz Foto Valter Campanato/Agência Brasil 

Analisar como os homens de Belém cuidam da saúde e identificar quais práticas de autocuidado realizam foi o objetivo da pesquisadora Victoria dos Reis Gonçalves da Costa, que desenvolveu a dissertação Eu uso andiroba pra tudo”: práticas de cuidado em saúde de homens em Belém-PA, defendida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP), do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFPA, sob orientação da professora Maria Lúcia Chaves Lima. 

"Foi uma pesquisa de campo com orientação construcionista – perspectiva de estudo da Psicologia Social em que a pesquisa é entendida como um saber construído de forma coletiva em que o contexto de produção é levado em consideração, além do compromisso com a transformação da realidade na qual se está inserida”, explica Victória. Estudos sobre masculinidades dentro de uma perspectiva crítica de gênero compuseram suporte teórico utilizado". 

A dissertação foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e integrou um estudo nacional financiado pelo Ministério da Saúde, realizado em cinco instituições federais de ensino, incluindo a UFPA, com a proposta de verificar a implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH). 

A pesquisadora entrevistou 15 homens adultos e residentes em Belém, com o auxílio de um roteiro semiestruturado. Entre os participantes, estiveram: um caminhoneiro, um homem com deficiência motora, um homem em situação de rua, um homem vivendo com HIV, um homossexual, um idoso, um indígena, um jovem, um pai, um parceiro de companheira grávida, um portuário, um quilombola, um ribeirinho, um trabalhador braçal e um homem trans. Os entrevistados foram denominados “potenciais usuários”, uma vez que são homens de diversas condições socioexistenciais não contempladas na Política de Atenção Integral à Saúde do Homem, instituída pelo Ministério da Saúde em 2009. 

Padrões de gênero ainda influenciam o comportamento 

A psicóloga Victória Costa observou que a maioria dos entrevistados de seu estudo relatou não cuidar bem da própria saúde. A pesquisadora analisou o dado como um reflexo cultural sobre o “ser homem”, permeado por padrões de gênero que regulam e definem o entendimento de “masculinidade”, o que afeta homens de diferentes maneiras com base em cada contexto em que estão inseridos.

 “Os homens são submetidos a um longo percurso de aprendizagem de virilidade na qual os códigos ditam que é preciso ser resistente, endurecer-se afetivamente, mas também ser capaz de se arriscar e executar tarefas perigosas. Tudo isso se desdobra na baixa procura por serviços de saúde, principalmente da atenção básica”, avalia Victória. 

Diante dos padrões de gênero existentes na sociedade, os comportamentos masculinos e femininos aparecem como figuras distintas no que diz respeito ao cuidado com a saúde. A figura da mulher foi apontada pelos entrevistados especialmente ligada ao cuidado, descritas como mediadoras do cuidado que os homens não possuem consigo. Algumas situações utilizadas como exemplo é que elas se responsabilizam por marcar uma consulta e controlam os medicamentos. Além disso, ainda ficam responsabilizadas pela saúde reprodutiva e sexual do casal. 

“Esse papel da mulher como cuidadora está presente em várias esferas da vida em sociedade, inclusive nas políticas públicas, elas têm sido convocadas a se responsabilizar ou a intermediar o cuidado que o Estado não consegue assegurar. É necessário problematizar o quanto essa dinâmica sobrecarrega as mulheres e não reconhece e/ou responsabiliza os homens como sujeitos de cuidado”, pontua a pesquisadora. 

Práticas alternativas de autocuidado 

Observando os discursos dos entrevistados para a pesquisa, Victória Costa percebe a resistência dos homens aos cuidados em saúde, o que justifica a baixa procura devido às práticas associadas ao gênero masculino, além da própria dificuldade de acesso aos serviços de saúde. Alguns outros fatores apontados foram o preconceito enfrentado pelo homem indígena e pelo homem trans e a falta de dinheiro para o transporte apontada pelo homem em situação de rua. 

Apesar da concepção comum de que homens não cuidam de sua saúde, um padrão destacado pelos participantes do estudo, a pesquisa também observa que a busca pelo autocuidado existe entre os homens entrevistados, ainda que não diretamente associada a um serviço de saúde ou médico. Alguns exemplos seriam as atividades físicas, o cuidado com a alimentação e a automedicação ou o uso de medicamentos caseiros utilizados em situações de adoecimento. 

Chás, ervas, plantas medicinais, gorduras de animais e outras soluções caseiras foram indicadas pelos entrevistados como o principal recurso que, muitas vezes, acaba substituindo a busca pelo serviço de saúde por geralmente serem produtos disponíveis em casa e mais práticos que a busca a uma unidade de saúde. A pesquisadora notou, ainda, que essas práticas ocorrem especialmente por serem acessíveis, práticas e de conhecimento popular local. 

“É importante pensar o quanto os serviços de saúde aparecem em segundo plano, de maneira assistencial e emergencial, quando olhamos para as práticas que os entrevistados mencionam. Sabemos que essas práticas são, geralmente, rejeitadas pela Medicina oficial, que não reconhece os saberes das comunidades tradicionais, mas elas continuam existindo de forma muito rica e potente, sendo adotadas pela população justamente por oferecerem respostas às enfermidades e sofrimentos vividos pelas pessoas em seu cotidiano e contexto cultural”, argumenta a pesquisadora. 

Outros pontos importantes observados nas entrevistas foi o fato de as mídias televisivas e a internet serem apontadas como um importante meio para a pesquisa e para o conhecimento sobre saúde. Além disso, a busca por serviços de saúde aparece nos relatos especialmente visando à estética corporal, como um dermatologista ou nutricionista. 

Refletindo com base nessas perspectivas, a pesquisadora entende que uma importante contribuição de sua pesquisa é o questionamento que cerca o “lugar comum”, que supõe que todos os homens não cuidam de sua saúde, pois percebe que esse cuidado existe, mesmo não correspondendo aos ideais sociais ou das próprias instituições de saúde. Além disso, também reitera a importância de narrar as infinitas possibilidades e experiências de ser homem. Por isso chama atenção para um olhar mais atento dos serviços de saúde em relação às necessidades específicas dos homens em sua diversidade para que, assim, possa alcançar a todos que necessitam. 

“O que fica evidente é que é preciso ir aonde esses homens estão, é preciso desenvolver estratégias que envolvam espaços e contextos específicos que alcancem o contingente de homens que não estão acessando os serviços de saúde. Reconhecer as demandas de saúde a partir da diversidade de masculinidades existentes é um passo para garantir a atenção integral a essa população”, conclui a pesquisadora.

Edição: Edmê Gomes Paixão
Beira do Rio Ed.169 - Dez/Jan/Fev 2023-2024

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