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Catadores são tão invisíveis quanto vulneráveis

Publicado: Quinta, 31 de Março de 2022, 19h19 | Última atualização em Quinta, 31 de Março de 2022, 19h19 | Acessos: 960

Trabalhadores estão entre os mais afetados pela pandemia de covid-19

Imagem do ensaio noturno dos trabalhadores no Lixão do Aurá, feita pelo fotógrafo alemão Manfred Linke, em recente visita a Belém e ao Programa Trópico em Movimento.
#ParaTodosVerem: Fotografia mostra sete catadores, homens e mulheres, fazendo a seleção de lixo no Depósito do Aurá. Todos vestem calças e usam blusas de mangas curtas ou compridas. Sobre o boné, eles têm uma lanterna de cabeça acoplada. Alguns seguram um saco plástico em uma das mãos. É noite, e um veículo está com as lanternas ligadas para iluminar o local.
#ParaTodosVerem: Fotografia mostra sete catadores, homens e mulheres, fazendo a seleção de lixo no Depósito do Aurá. Todos vestem calças e usam blusas de mangas curtas ou compridas. Sobre o boné, eles têm uma lanterna de cabeça acoplada. Alguns seguram um saco plástico em uma das mãos. É noite, e um veículo está com as lanternas ligadas para iluminar o local.

Por Walter Pinto Foto Manfred Linke

Durante a pandemia de covid-19, várias categorias foram afetadas em seus cotidianos de trabalho, muitas tiveram atividades suspensas e sofreram os impactos da falta de renda para sustentar suas famílias. Em Belém, a categoria dos catadores e das catadoras de lixo está entre as mais afetadas. Do risco da contaminação em função da natureza da matéria-prima coletada no trabalho à redução no comércio de material reciclável, a pandemia acentuou a vulnerabilidade da categoria e expôs a falta de programas de apoio oficial com vistas a mitigar suas perdas.

Esta é uma das constatações do sociólogo Thomas Mitschein, coordenador do Programa Interdisciplinar Trópico em Movimento, da UFPA, que vem estudando a questão das condições de vida das classes populares nos ecossistemas urbanos, com destaque aos trabalhadores que atuam como catadores nos lixões de Belém. “A situação deles é, obviamente, muito complicada. O quadro se intensificou na pandemia, com o aumento das dificuldades financeiras. Mesmo os que atuam em cooperativas e associações também enfrentam o desafio de recuperar a comercialização diária e sistemática nos níveis anteriores à pandemia”, informa.

De acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações, instituída em 2002 pelo Ministério do Trabalho, os catadores são reconhecidos como trabalhadores que recolhem resíduos sólidos recicláveis e reaproveitáveis, como papelão, alumínio, plástico, vidro, entre outros. Na Região Metropolitana de Belém, o contingente de catadores está integrado a três entidades – Recicla Pará, Cata Pará e Central Pará. Essas redes atuam no Aterro Sanitário em Marituba e no Depósito de Lixo do Aurá. O primeiro recebe resíduo domiciliar; e o segundo, lixo das vias públicas.

Segundo estudo do Programa Trópico em Movimento, grande parte do contingente de catadores que atua na Grande Belém é formada por “migrantes de mesorregiões vizinhas, que, devido à baixa escolaridade e à desvalorização dos conhecimentos e das habilidades agroextrativistas adquiridos nos lugares de origem, procuram nos mercados informais de trabalho seu ganha-pão”. Diante do angustiante dilema de manutenção de suas famílias em tais condições, “uma parcela sempre crescente desta mão de obra interiorana passa a vislumbrar na coleta de resíduos uma opção, ainda que precária, de sustento próprio”. O estudo observa que, desde o início do movimento catador, as mulheres assumiram papel de destaque, estando à frente das três redes de catadores que atuam na Região Metropolitana de Belém. Por esse trabalho pesado e insalubre, elas recebem baixa remuneração mensal, cuja média gira em torno de R$ 651, 00, conforme dados de 2019.

Thomas Mitschein entende que, diante do contexto de dificuldades impostas pela pandemia, o poder público deveria atuar, de forma efetiva, junto aos trabalhadores mais vulneráveis, criando programas de auxílio financeiro que os ajudassem a prover o sustento das suas famílias. Mitschein observa que a categoria deveria receber mais atenção devido à importância ambiental e econômica do trabalho que realiza. Ao selecionar material reciclável ou reutilizável, esses trabalhadores reduzem o volume de lixo que as empresas de tratamento de resíduos recolhem e pelo qual cobram por quilo. 

Responsabilidade compartilhada entre estados, municípios e particulares

Desde 2010, o Brasil possui uma Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída por lei federal, que determina ações e responsabilidades sobre o tratamento de resíduos sólidos, na qual diferencia o que é resíduo e rejeito, sendo o primeiro os insumos a serem reutilizados; e o segundo, resíduos que, depois de terem sido esgotadas todas as possibilidades de tratamento, precisam ser depositados de uma forma ambientalmente adequada. A PNRS determina as responsabilidades de estados, municípios e particulares, começando pelo consumidor, que deve acondicionar, adequadamente e de forma diferenciada, os resíduos sólidos que produz. Cabe aos fabricantes e comerciantes investirem na fabricação e comercialização de produtos que utilizem menos quantidade de resíduos sólidos, além de dar ampla divulgação às formas de reciclar e eliminar os resíduos. Os governos são responsáveis pela coleta e destinação final dos resíduos, devendo implementar progressivamente a separação dos resíduos secos dos úmidos, pelo acondicionamento, segundo a constituição e composição, e pela promoção da educação ambiental, sobretudo entre os catadores.

O estudo do Programa Trópico em Movimento observa que, ao priorizar a coleta de resíduos sólidos separados em lixo seco e lixo úmido, a legislação direciona os resíduos sólidos à coleta seletiva e valoriza os aspectos ambientais e econômicos, estimulando, assim, a inclusão social. No entanto, apesar das boas intenções da legislação, a realidade é outra. Faltam gestores preparados para fazer valer o conceito de Gerenciamento Integrado do Resíduo Sólido Municipal, ancorado na coleta seletiva, na educação ambiental e numa política de fomento à cadeia da reciclagem.

Thomas Mitschein conta que a ideia de trabalhar com os catadores de resíduos sólidos nasceu justamente do desinteresse do poder público em atuar com as questões pertinentes ao universo da categoria. “Entramos neste trabalho há sete anos, com apoio da Reitoria da UFPA, quando um projeto do governo federal destinou recursos ao estado, que, no entanto, não mostrou interesse. Decidimos assumir a tarefa antes que os recursos fossem devolvidos à União. O trabalho integra a linha do Programa Trópico em Movimento que estuda ecossistemas amazônicos e a sobrevivência da população proletarizada inserida neles”.

Fotógrafo alemão premiado registra trabalho no Aurá

Recentemente, o Programa Trópico em Movimento recebeu a visita do fotógrafo alemão Manfred Linke. Os temas sociopolíticos ambientais caracterizam os seus projetos, pelos quais recebeu, em 1996, o "World Press Award” de reportagem científica. É a segunda vez que Manfred esteve na UFPA. Na primeira vez, foi recebido por Thomas Mitschein, à época coordenador do Programa Pobreza e Meio Ambiente (POEMA), embrião do atual Trópico em Movimento.  A visita resultou, então, na publicação do livro ilustrado POEMA, o Retorno Silencioso da Floresta Tropical, editado na Alemanha, que deu destaque internacional à questão ambiental na Amazônia. Desta vez, Manfred interessou-se em documentar o trabalho de catadores e catadoras no Lixão do Aurá, resultando desta visita um ensaio noturno, cuja imagem ilustra esta matéria.

Beira do Rio edição 162

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