O que é “digno” para o currículo?
Cultura popular está restrita ao calendário folclórico nas escolas
Por Adrielly Araújo Foto Uchôa Silva / Agência Pará
As escolas têm enorme importância na defesa, na promoção e na difusão da cultura popular. Apesar disso, ainda não é totalmente valorizada a contribuição que as manifestações culturais populares na Amazônia, como a capoeira e o carimbó, podem trazer ao espaço escolar. É o que afirma o pedagogo Albert Alan de Sousa Cordeiro em sua tese, Por que você ainda fica falando sobre isso? Um estudo decolonial da relação entre educação escolar e cultura popular na Amazônia brasileira, defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED/ICED) da Universidade Federal do Pará. “O conhecimento escolar tende a desconsiderar o conhecimento das populações locais, em especial na Amazônia”, conta o autor do estudo.
A pesquisa, orientada pela professora Sônia Maria da Silva Araújo, teve como objetivo analisar as relações que as escolas públicas amazônicas estabelecem com a cultura popular, olhando a realidade no Amapá, Amazonas e Pará.
De acordo com Albert Cordeiro, já existe uma literatura especializada que comprova a importância e o potencial educativo das manifestações culturais populares. “Buscamos entender por que, apesar de todas essas contribuições, a cultura popular segue invisibilizada ou é abordada de maneira folclorizada, pitoresca e exótica dentro do espaço escolar”, explica.
Para a tese, o autor ouviu narrativas de cinco professoras/es da educação básica que, além de exercerem o magistério, estão envolvidas/os com as manifestações culturais populares presentes em seus estados.
História Oral para acessar memórias de professores
Albert Alan de Sousa Cordeiro selecionou os aspectos que deveriam ser tratados no roteiro semiestruturado, realizando perguntas complementares ao longo da entrevista, quando necessário. “Organizamos o roteiro baseado nos seguintes eixos: memórias sobre a vida estudantil, memórias sobre a vida com a cultura popular, memórias sobre a formação acadêmica e memórias sobre atuação profissional”, afirma.
De acordo com o pesquisador, as entrevistas foram feitas seguindo os pressupostos da História Oral, metodologia imprescindível para abordar determinados temas, vividos ou presenciados pelos interlocutores. “A primeira entrevistada foi a professora macapaense. Nos dirigimos ao estado do Amapá para encontrá-la. Em seguida, entrevistamos os três participantes residentes no Pará. Em decorrência da pandemia, não pudemos ir ao Amazonas, estado duramente atingido pelo novo coronavírus. Com o professor de lá, a entrevista foi virtual”, explica o pedagogo.
“As memórias de nossos narradores e narradoras confirmam o que já especulávamos: a cultura popular é colocada sob condição marginal nas escolas amazônicas. Estas culturas, oficialmente, só fazem parte da escola em momentos festivos, vinculados ao calendário ‘folclórico’ anual”, revela Albert Cordeiro.
Eurocentrismo – Segundo o autor, é por meio da cultura popular que se formam os vínculos que nos ligam à negritude da África e ao indigenismo da América. Como consequência do colonialismo, formou-se um sistema de valores no qual apenas a contribuição europeia tende a ser ressaltada e valorizada, em um fenômeno chamado de Eurocentrismo.
“Ficou evidente que a nossa região foi e continua sendo alvo desse projeto integracionista. Por meio das memórias de nossos/as interlocutores/as, percebemos a desvalorização do conhecimento popular em cada território, o apagamento das produções culturais e artísticas locais e a imposição de modelos educativos e sociais exógenos como elementos constitutivos do processo pedagógico na Amazônia”, expõe.
Entretanto a busca por alternativas exige o questionamento da suposta universalidade desse modelo civilizatório. “Para tanto, dar ênfase às várias perspectivas culturais e, no âmbito deste trabalho, construir um elogio à força descolonizadora da cultura popular auxilia na construção de outros mundos possíveis”, reforça o autor.
“A compreensão profunda e detalhada deste fenômeno é fundamental para que outros rumos possam ser tomados, expandindo nossa concepção de quais conhecimentos são ‘dignos’ de estarem na escola e fazerem parte do universo de saberes que nossas crianças, adolescentes e jovens poderão acessar dentro deste espaço”, conclui Albert Cordeiro.
Beira do Rio edição 160
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