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Saberes populares e tradicionais podem mudar a universidade

Publicado: Sexta, 08 de Setembro de 2023, 18h33 | Última atualização em Sexta, 08 de Setembro de 2023, 19h52 | Acessos: 443

Cursos e disciplinas promovem diálogo intercultural no ensino superior

Iniciativa UFJF faz da floresta sala de aula no Encontro de Saberes
imagem sem descrição.

Por Felipe Ewald, Carolina Melo e Carolina Pires, com Edmê Gomes Foto: Carolina Bezerra

“A ambição é transformar a universidade em lugar de múltiplos conhecimentos e saberes, um lugar de partilha: você não só ensina, mas também aprende. A experiência do curso aqui tem sido essa. Nós temos aprendido bastante a cada turma que entra.”

Quem nos aponta essa perspectiva é Uwira Domingues, indígena Xacriabá e professor na Faculdade de Etnodiversidade da Universidade Federal do Pará (UFPA). Antes de conhecer melhor sua vivência na academia como docente de um curso voltado a povos e comunidades tradicionais, vamos trilhar por outras experiências no sul, sudeste e centro-oeste do país.

A ideia é discutir e apresentar diferentes formas como saberes e conhecimentos populares e tradicionais circulam pelo ambiente universitário. Resultado do esforço de jornalistas ligados a instituições federais de ensino superior, esta reportagem é uma parceria entre o Jornal da Universidade (UFRGS), o Jornal Beira do Rio (UFPA), o Jornal UFG e o UFJF Notícias.

Saberes que se encontram no ambiente universitário

Quando sujeitos de diferentes territórios e pertencimentos étnico-raciais se inserem no ambiente universitário não como objetos de pesquisa, mas ocupando a posição de docentes, surgem oportunidades para que a academia se repense e se transforme. Essa aposta está no coração de um projeto nomeado como Encontro de Saberes. O modelo original dessa proposta foi iniciativa do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa (INCTI), sediado na Universidade de Brasília, em 2010.

Desde então tem se espalhado por diferentes instituições. Em 2014, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) passou a ofertar em seu currículo a disciplina “Artes e ofícios dos saberes tradicionais”, que recebe o apoio da Pró-reitoria de Extensão. Para o professor do Departamento de Botânica Daniel Pimenta, que integrava a iniciativa em sua concepção, trata-se de uma “potência pedagógica incomensurável”, à medida que permite repensar o modelo de sociedade atual ao valorizar a sabedoria dos povos ancestrais.

Neste ano, a disciplina será também ofertada no campus avançado de Governador Valadares da UFJF, a partir do processo de curricularização da extensão. A iniciativa se estruturou por meio da aprovação em edital da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). O financiamento será utilizado para garantir a participação dos mestres e mestras, bem como a realização de viagens de mapeamento, oficinas e intercâmbios. Em Governador Valadares estão disponíveis 40 vagas para estudantes de graduação. Já na sede são 350 vagas, sendo 250 para graduandos, 50 para pós-graduandos e outras 50 para a comunidade externa.

No campus avançado, já existem ações em parceria com as comunidades do entorno do Vale do Rio Doce, sobretudo por meio do Núcleo de Agroecologia (Nagô), que contempla o projeto Pluriversidade do Watu, nome que honra a entidade sagrada que representa o Rio Doce para o povo Krenak. Além disso, há o trabalho de assessoria a organizações indígenas, quilombolas e camponesas no território do médio Rio Doce.

Coordenador dos projetos extensionistas, o professor da UFJF Reinaldo Duque acredita que a descolonização do pensamento acadêmico só é possível por meio do diálogo com os saberes tradicionais e outras formas de conhecimento. Dessa maneira, promover esse espaço de educação intercultural ajuda a corrigir as distorções do processo educacional.

“Temos uma formação muito limitada, com várias lacunas de conhecimento e aprendizado sobre história e cultura indígena, que a gente carrega desde a escola, passando pelo nível superior, com profissionais formados sem ter esses conhecimentos, muitas vezes ainda reféns de uma visão distorcida, preconceituosa e pejorativa sobre os povos tradicionais”, Reinaldo Duque.

Notório Saber garante reconhecimento aos mestres

Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a disciplina Encontro de Saberes tem oferta para todos os cursos de graduação desde 2016. Por ela já passaram cerca de 40 mestras e mestres. Embora seu protagonismo esteja garantido no espaço da sala de aula, fora dela o reconhecimento de sua participação ainda encontra obstáculos na estrutura administrativa da Universidade, como questões ligadas a registro, pagamentos e validação das contribuições desses atores.

O coletivo de docentes que construiu e executa a disciplina lembra que a iniciativa foi “criada com intenções de convidar a Universidade pública, e também a sociedade, a efetivamente promover a inclusão de subjetividades, epistemes e valores plurais e com isso repensar suas práticas de produção e transmissão de conhecimento, ampliando seu impacto social”. Por isso, propôs a inclusão do reconhecimento de Notório Saber a mestres de saberes de povos e comunidades tradicionais e populares. A resolução que regula o procedimento foi aprovada no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão no ano passado.

Dessa forma, segundo o coletivo, amplia-se a "’legitimidade’, na perspectiva institucional, da presença de mestres de saberes tradicionais e populares e pertencentes a matrizes não eurocêntricas, na medida em que eles se tornam titulados como Doutores, passando a ser reconhecidos em suas especificidades de formação e atuação e na mesma situação de hierarquia que pessoas de trajetórias também reconhecidas como Doutoras – formados/as e/ou atuantes, por exemplo, nos programas de pós-graduação”.

Na prática, esse reconhecimento assegura aos mestres o fortalecimento de seus direitos enquanto participantes das atividades de ensino, extensão e pesquisa ao prever uma equiparação intelectual e garantir remuneração de modo rotinizado.

Os docentes apontam que a concessão de títulos como o Notório Saber remete a uma dimensão tanto política como simbólica. “Política porque requer rever privilégios estruturais e regimes de discurso e pensamento que não dão conta do mundo real em sua diversidade e complexidade, e também simbólica porque pode significar uma efetiva inclusão, em que sejam ouvidas e possam atuar na transformação também de imaginários, valores, percepções”

UFMG foi pioneira e já titulou mais de 20 doutores

A formalização do reconhecimento de Notório Saber de mestres de saberes tradicionais e populares teve o pioneirismo da Universidade Federal de Minas Gerais, que desde 2020 já titulou mais de 20 doutores.

Os docentes ressaltam que quem tem a oportunidade de conviver com os mestres, “reconhece a riqueza, relevância e complexidade de saberes, ciências, artes, formas de vida que podem ensinar a uma sociedade que se ergueu às custas de seus corpos e conhecimentos, mas que se recusa a reconhecer sua validade e se abrir para um diálogo que some, aproxime e amplifique mundos”.

Carolina Urzúa Talikis, estudante de Museologia que cursou a Encontro de Saberes no último semestre, relata que a disciplina ao mesmo tempo que confirmou a invisibilidade que há em relação a grupos indígenas, por exemplo, também deu a oportunidade de entrar em contato de maneira mais profunda com esses coletivos e suas lutas. “Eu saí impactada e agradecida pela oportunidade de vivenciar.”

Felipe Ewald é jornalista da UFRGS, Carolina Melo é jornalista da UFG, Carolina Pires é jornalista da UFJF e Edmê Gomes é jornalista da UFPA.

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