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Opinião

Publicado: Terça, 28 de Setembro de 2021, 18h39 | Última atualização em Terça, 26 de Outubro de 2021, 16h52 | Acessos: 1307

Racismo linguístico: permanência de indígenas no ensino superior 

Por Flávia Marinho Lisbôa Foto Acervo Pessoal

Vivíamos, nos últimos trinta anos, desde a Constituição de 1988, um momento singular para os indígenas na história do Brasil, com ampliação de debates e ações em torno de seus direitos. Mas a história e a atualidade nos mostram, com bastante evidência, a permanente necessidade de esses povos lutarem por sobrevivência. E, diante das novas conjunturas, com a guinada anti-humanista no cenário político das eleições de 2018, tempos ainda mais sombrios envolvem os povos indígenas no Brasil.

Por outro lado, os povos originários intensificam suas estratégias de luta. A busca por espaço na política e nas universidades tem sido investidas fundamentais para fortalecer a resistência diante de tantas violências simbólicas, físicas e materiais, com assassinatos e ataques às aldeias. Desde as eleições de 2018, houve maior participação com vereadores eleitos pelo país, como foram os casos dos vereadores e do prefeito indígenas na cidade de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. A primeira deputada federal indígena, Joênia Wapichana, e a candidatura de Sônia Guajajara à vice-presidência do Brasil também são exemplos desse processo.

Em 2020, esse cenário se fortaleceu ainda mais com a candidatura em massa de indígenas (principalmente mulheres), em resposta à necropolítica e à avalanche de perdas de direitos, especialmente depois da pandemia da Covid-19 no país. Quanto ao âmbito educacional, os povos originários conquistaram mais acesso ao ensino superior, com garantia de processos seletivos especiais, reserva de vagas e licenciaturas interculturais.

Em 2019, 56.257 alunas e alunos indígenas ingressaram nos cursos de graduação em universidades de todo o Brasil, porém a permanência é um gargalo que requer ações institucionais, a fim de garantir que esses estudantes concluam seus cursos com qualidade.

Nesse contexto, nossa pesquisa de doutorado intitulada Língua como linha de força do Dispositivo Colonial: os Gavião entre a aldeia e a universidade se voltou para levantar as dificuldades de permanência de estudantes da etnia Gavião, como forma de refletir sobre esse problema que atravessa as universidades em todo o Brasil, resguardadas as especificidades sociais e históricas das instituições e dos povos que as acessam.

Para isso, descrevemos as linhas de subjetividade e força que atravessam as dificuldades materiais, sociais, pedagógicas e epistemológicas para a permanência desses estudantes. Visibilizamos o papel da língua/linguagem percorrendo esse processo.

Por fim, destacou-se a língua como a linha de força do dispositivo colonial no contexto acadêmico, materializando os agenciamentos das práticas hegemônicas na universidade e reforçando as normatividades do dispositivo colonial, como é comum às instituições de Estado, compreendendo que as instituições não estão alheias às estruturas sociais, assentadas no racismo e na colonialidade.

Depois de a colonização ter aniquilado grande parte das línguas indígenas, a colonialidade dá continuidade a esse processo e, na universidade, encontra um potente eco: o racismo linguístico. Humilhação e silenciamento de falantes de um português marcado pela identidade étnica que, ao contrário, deveria ser valorizado são provas de quanto os avanços no acesso acadêmico não são suficientes para garantir a formação dos alunos indígenas e de quanto nossas universidades necessitam amadurecer em sua estrutura e práticas pedagógicas, curriculares, epistemológicas, burocráticas, de linguagem e de visibilidade da diversidade cultural que constitui nosso país.

A língua tem papel central na violência do racismo, materializando e produzindo os sentidos que envolvem as manifestações de opressão. Como exemplo simples, diante das abordagens racistas cotidianas que os indígenas vivenciam na academia, lembremos que todos os alunos indígenas convidados a preencher o Currículo Lattes enfrentam uma desagradável determinação do dispositivo colonial, a que lhes obriga a colocar, no campo destinado a línguas, sua língua nativa como Estrangeiras-Outros.

Flávia Marinho Lisbôa - Professora adjunta da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), doutora em Letras/Estudos Linguísticos (UFPA). Sua tese Língua como linha de força do dispositivo colonial: os Gavião entre a aldeia e a universidade, orientada pela professora Ivânia dos Santos Neves, foi finalista do Prêmio Professor Benedito Nunes 2020.
e-mail: flaviamlisboa@gmail.com

Beira do Rio edição 160

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