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Tem festa no subúrbio

Publicado: Quarta, 14 de Maio de 2025, 19h26 | Última atualização em Quarta, 14 de Maio de 2025, 19h50 | Acessos: 53

Tese analisa práticas de lazer em três bairros de Belém

imagem sem descrição.

Por Walter Pinto, texto e ilustração 

Nos estudos historiográficos amazônicos, a temática que envolve festas e folguedos, sobretudo de caráter popular, ganhou espaço principalmente na segunda metade da década de 1970 e acha-se contemplada em uma das quatro linhas do Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia, da Universidade Federal do Pará (UFPA), a linha de pesquisa Arte, Cultura, Religião e Linguagens, que abarca, entre outros estudos de História Social e Cultural, diferentes linguagens artísticas na Pan-Amazônia, desde o período colonial até o tempo presente.

Um dos estudos mais recentes da linha, a tese Pela margem da cidade: lazer, sociabilidades e controle social no subúrbio belenense em meados do século XX, do historiador Elielton Benedito Castro Gomes, tem como foco as práticas de lazer e sociabilidades dos moradores da margem da cidade de Belém, especificamente dos bairros periféricos Guamá, Condor e Jurunas, entre as décadas de 1940 e 1960.

Orientada pelo historiador e antropólogo Antonio Maurício Dias da Costa, a tese que valeu a Elielton o título de doutor em História procurou compreender as representações dos eventos de lazer e sociabilidade experimentados naquela parcela da cidade, bem como os papéis sociais que tais experiências desempenhavam no contexto urbano definido pelo estudo. O trabalho buscou também refletir sobre as ações de agentes de segurança pública que, por vezes, controlavam e reprimiam os excessos de diversão dos sujeitos que viviam e transitavam naquela margem.

Entre os principais conceitos empregados no estudo, estão os de "lazer" e "sociabilidade". O autor explica que o primeiro deve ser entendido como o tempo oposto ao do trabalho, ou seja, o tempo do repouso, da diversão e do desenvolvimento, sobre tudo, intelectual. Já o segundo se entende como ações (trocas, aproximações, desencontros, conflitos e interesses) de um grupo, ou mais, que, por vezes, se encontra submetido às regras e aos padrões sociais.

Guamá, Condor e Jurunas: agitação social e cultural

Nas 290 páginas da tese, Elielton remete-se a um tempo de mudanças significativas na estrutura urbana de Belém, “que, de algum modo, se refletiram nos comportamentos elaborados e praticados por aqueles que nela viviam ou transitavam”. O pesquisador dá como exemplo de mudança o “vultoso crescimento dos espaços de entretenimento (bares, baiucas, sedes, clubes desportivos, agremiações carnavalescas etc.) nas diversas localidades da capital, especialmente na beira da cidade, acentuando, sobretudo, o consumo prazeroso de encontros, bebidas, danças, esportes, jogos considerados de azar, dentre outros, desfrutados pelos mais variados grupos sociais locais”.

As áreas situadas na margem da cidade, especialmente aquelas em que o historiador centrou seu foco – Guamá, Condor e Jurunas – eram, então, apontadas pelos jornais de Belém como subúrbios. Hoje, são chamadas de periferias, mas, inegavelmente, continuam sendo áreas densamente povoadas e de intensa agitação social e cultural. Elielton explica que são bairros situados na beira do rio, “lugares de trocas (materiais e simbólicas), de circulação de sujeitos que ali se fixaram ou não e que trouxeram consigo saberes, capitais (simbólicos e sociais), inovações e criatividades”. São espaços nos quais, ao longo do período estudado, se desenvolveu uma vida cultural ativa, em que as festas ganharam cada vez mais visibilidade nas páginas dos jornais da época, em notas sociais e nas páginas policiais.

“Tais experiências socioculturais, por diversas vezes, acionavam uma rede de sujeitos que, de alguma maneira, estavam diariamente conectados”, informa o autor, referindo-se aos moradores do próprio bairro (familiares, amigos, vizinhos) e até mesmo oriundos de outros bairros suburbanos afastados, assim, “extrapolando as teias sociais criadas pelos próprios moradores de cada um desses espaços”. A tese de Elielton pensa a margem da cidade “não apenas como paisagem, mas também como espaço no qual existe um fluxo de relações socioculturais que se desdobram também para além da beira, sobretudo no contexto das festas”.

Narrativas induzem ideia de periculosidade

Na realização da pesquisa, o historiador consultou romances e crônicas de caráter memorialístico, bem como colheu relatos de homens e mulheres que viveram e experimentaram as práticas de lazer e sociabilidades na beira do rio Guamá. Não menos importantes são os “testemunhos históricos” dados pelos jornais que circulavam à época, em Belém – O Liberal, A Província do Pará, Folha do Norte, A Vanguarda, Jornal do Dia, Flash, Folha Vespertina e O Estado do Pará –, todos disponíveis na hemeroteca da Biblioteca Pública Arthur Vianna. Elielton ressalta, porém, que o noticiário, constituído por notas, convites, crônicas, anúncios e notícias apresentados em espaços sociais, esportivos, mas também policiais, revelava, por vezes, concepções e comportamentos típicos do meio jornalístico paraense, em especial nas apresentações de títulos, subtítulos e no corpo do texto informativo.

Com a proliferação dos chamados espaços de lazer e sociabilidades naquelas áreas de Belém, quando festas e reuniões culturais passaram a ser realizadas quase que diariamente, a imprensa passou a reverberar, com mais frequência, reclamações, indicando os barulhos e os conflitos que incomodavam o descanso de muitos que ali viviam. Esse noticiário se refletia também na presença do setor da segurança pública nos arredores.

Elielton Gomes observa que, ao assumirem, mesmo que inconscientemente, posições de mediadores culturais, os redatores dos jornais “influenciavam, por meio dos seus discursos, nas representações elaboradas pelos leitores acerca daqueles bairros, bem como induziam os sujeitos que ali viviam. Logo esses sujeitos percebiam essas imediações como locais de grande periculosidade, nos quais a ordem, por meio do policiamento, deveria se fazer constante, o que, de certo, acontecia e, na maioria das vezes, de modo violento e intimidador”.

Tal situação, afirma o historiador, “redobrava o trabalho a ser feito, principalmente por parte dos organiza dores das festas, dos diretores e associados dos espaços de lazer e sociabilidades, em desconstruir, por meio de convites e notas publicadas nos jornais do período, essa visão acerca dos ambientes em que as experiências de entretenimento eram realizadas”.

O pesquisador e a margem: proximidade e pertencimento

O autor de Pela margem da cidade guarda uma relação de proximidade e pertencimento àquela “hipermargem” da cidade, conceito discutido por pesquisadores da Amazônia, como Carmem Izabel Rodrigues e Tony Leão da Costa. Ele conta que o Guamá, a Condor e o Jurunas sempre fizeram parte dos espaços pelos quais transitou durante a sua vida. Mesmo hoje, morando em outro município, por conta do trabalho, quando há oportunidade de vir a Belém, ele transita por aquelas áreas que, desde os anos 1940, já eram citadas na imprensa local. As lembranças do Guamá, por exemplo, acompanham-no desde que se “entende por gente”, pois lá morou e lá vivem seus pais.

De forma direta ou indireta, o historiador vive e convive com o mundo da “hipermargem” de Belém. Ele conta que foi ali que estabeleceu os primeiros dos muitos laços sociais, vivenciou com portamentos e práticas sociais que, ocasionalmente, eram marginalizadas e reprimidas por diferentes segmentos sociais, sobretudo policiais. De algum modo, isso também se refletiu na escolha do seu objeto da pesquisa.

Sobre essa aproximação do pesquisador com o objeto de estudo, algumas vezes entendida como um problema para muitos historiadores, Elielton considera que a questão pode não passar de uma criação mental do próprio investigador. Com ele, não foi diferente. Mas buscou, ao longo da produção, certa neutralidade para vencer angústias, conflitos e, por vezes, juízos de valor.

Sobre a pesquisa: A tese Pela margem da cidade: lazer, sociabilidades e controle social no subúrbio belenense em meados do século XX foi defendida por Elielton Benedito Castro Gomes, em 2024, no
Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia (PPGHist/IFCH), da Universidade Federal do Pará, com orientação do professor Antonio Maurício Dias da Costa. 

Beira do Rio edição 174 - Março, Abril e Maio

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