SBPC antecipa debates da COP30
Agenda ambiental deve considerar diversidade sociocultural
Por Cíntia Magno, especial para o Beira do Rio | Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Pauta rotineira nas discussões sobre as mudanças climáticas internacionais, devido à relevância do seu bioma para a regulação do clima, a Amazônia está com as atenções do mundo ainda mais voltadas para si. Em 2025, pela primeira vez, Belém irá sediar uma Conferência da Organização das Nações Unidas sobre as Mudanças do Clima (COP 30).
Mas, antes disso, a capital paraense recebe a 76ª edição da Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O cenário é oportuno para se pensar uma agenda ambiental para a Amazônia que considere não apenas a sua biodiversidade, mas também a diversidade cultural e social existente, sem deixar de lado o contexto de desigualdades de classe, gênero e raça.
Para a professora emérita da Universidade Federal do Pará (UFPA), Edna Castro, a realização desses eventos na Amazônia é uma oportunidade de rever o olhar sobre a região, mas considera que não é suficiente. Para a pesquisadora, doutora pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris e presidente da Sociedade Brasileira de Sociologia, a urgência decorrente do avanço das mudanças climáticas exige mudar o modo de vida, o modelo de desenvolvimento, “significa determinação de governos que definem a legislação e as políticas para a economia e a sociedade, mesmo que as escolhas sejam indesejáveis”.
Em outras palavras, a professora considera que é necessário abandonar alguns princípios que já se encontram difundidos na sociedade, como a modernidade, o individualismo, a valorização da riqueza e a colonialidade do saber e do poder. Ela aponta que as condições atuais exigem dar lugar à solidariedade como máxima entre seres humanos e natureza e, neste sentido, avalia que o mundo pode encontrar na Amazônia uma contribuição importante sobre como fazer isso: “A Amazônia tem muito a dizer e a ensinar com base nos conhecimentos e nas práticas sociais dos povos que viveram e enriqueceram a floresta amazônica, cujo legado faz parte do seu presente e é atualizado no campo diverso de culturas e línguas”.
Ciência, saberes e conhecimentos tradicionais
A própria ciência já vem demonstrando que esse caminhar, alinhado aos saberes e conhecimentos tradicionais, é possível. Edna Castro avalia que a pesquisa sobre os povos amazônicos já vem fazendo isso com bastante competência, reconhecendo os saberes dessas populações e produzindo uma escrita para a sociedade brasileira. “As Ciências Sociais têm um amplo portifólio de pesquisas e de publicações. Ressalto também a leitura do pensamento de populações indígenas e quilombolas, de pescadores e pescadoras, de outros povos e grupos que vivem da relação direta com a natureza, observando suas práticas e sua cultura. Hoje esse pensamento tem maior visibilidade. Da Amazônia pode sair um chamado para o mundo e sua posição na atual cartografia mundial pode gerar efeitos ambientais muito positivos”, considera a professora.
No contexto das mudanças climáticas, por exemplo, a percepção de que a Amazônia tem potencial para gerar uma grande contribuição para as medidas de combate aos efeitos do clima está ligada justamente ao conhecimento ancestral mantido pelas populações tradicionais, saberes que podem levar a uma nova compreensão da relação entre homem e natureza. “A Amazônia pode trazer uma grande contribuição ao combate das mudanças climáticas e não será pela economia intensiva de terras e grãos, pela mineração ou exploração do petróleo, mas, sim, pelas escolhas ambientalmente solidárias e pelos saberes sobre a preservação da natureza experimentados por milhares de anos por suas populações tradicionais”, pondera.
Se, até algum tempo atrás, os alertas emitidos pela ciência projetavam um cenário futuro difícil para a manutenção da vida na Terra, hoje é preciso considerar que os efeitos das mudanças climáticas são uma preocupação presente, já que as políticas de mitigação e adaptação mais eficazes não se demonstram suficientes.
Crise climática impacta a vida dos mais vulneráveis
Nesta realidade atual, os impactos causados pelas intempéries climáticas acabam afetando de forma desigual a população do planeta, gerando experiências distintas de acordo com diferenças de classe, gênero e raça. Os maiores impactados continuam sendo as populações mais vulneráveis, pelas condições inadequadas de moradia ou por precariedades outras. Porém, a professora Edna Castro chama a atenção para o fato desta realidade estar mudando: “os países mais pobres estão nessa geopolítica das catástrofes. No entanto, temos de entender que nessa guerra todos serão afetados. As chuvas no Rio Grande do Sul não escolheram de quem eram as terras para inundar e destruir as plantações. A dinâmica da natureza tem outras regularidades e, por isso, a consciência desses problemas pode criar forças para impulsionar as mudanças que devem, necessariamente, serem feitas com certa radicalidade, e não apenas no plano discursivo e da manipulação”.
De acordo com a pesquisadora, as evidências e os dados científicos sobre o aquecimento climático não podem ser ignorados, mesmo que contrariem os interesses econômicos do processo global de acumulação, baseado em modelos predatórios da vida. Em última análise, Castro considera que “o modelo de desenvolvimento capitalista, na acumulação de riqueza e na concentração de poder é a causa maior das mudanças climáticas”, portanto, é sobre ele que deveria recair o maior debate durante a COP 30.
Apesar disso, ela considera que, não raro, o debate acerca do modelo de desenvolvimento vigente e os seus impactos nas questões climáticas acaba sendo esvaziado e silenciado, mesmo durante os fóruns internacionais sobre o clima, a exemplo do que já se observou em episódios anteriores. “Esse é o grande perigo para o mundo. Mas, por ser na Amazônia, esse perigo nos concerne mais de perto, uma vez que a região se tornou um ícone iluminando o mundo, e quanto mais visível se torna, mais desejos são fomentados e difíceis de serem controlados”, avalia. “É o caso dos interesses globais na bioeconomia que atravessam os oceanos, como o eldorado do futuro. E quem segura esse movimento do mercado? Quem sustenta a insustentabilidade do desenvolvimento? O padrão dominante no mundo ainda é o do saque da natureza, economia primária baseada no neoextrativismo que exaure os recursos, hoje mais rápido e performante tecnologicamente”.
Portanto, se o desejo global for o de combater, de fato, as mudanças climáticas, a socióloga e pesquisadora Edna Castro alerta que temas como o desmatamento, o fogo, a emissão de gases e a poluição de habitats diversos, incluindo os oceanos, efeitos do modelo de desenvolvimento atual, devem ser a base do debate contemporâneo.
Beira do Rio edição 171
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