Mulheres e Meninas na Ciência
Gênero, Ciência e Turismo na Amazônia
Por Walter Pinto Foto Alexandre de Moraes
Professora efetiva da UFPA desde 2012, a turismóloga Diana Priscila Sá Alberto é mestra pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) e doutora pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia da UFPA. Recentemente, defendeu sua tese sobre as trajetórias de Emília Snethlage e Heloísa Alberto Torres nas ciências na Amazônia durante as primeiras décadas do século XX. O estudo é uma contribuição ao avanço das pesquisas em turismo na região, que vive a expectativa de ter o primeiro mestrado aprovado, na Faculdade de Turismo da UFPA, refletindo uma perspectiva nova para o Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA). As leituras realizadas sobre o tema por Diana Alberto “abriram possibilidades e recursos teóricos para afirmar que as mulheres na ciência sofreram, por anos, apagamentos históricos”. No entanto, “por mais que, na formação da história das ciências, se acompanhe um processo histórico dominantemente masculino, essas duas (e outras) mulheres cientistas deixaram seus legados”, afirma. Na entrevista abaixo, a turismóloga explica o percurso, as descobertas e as conclusões da pesquisa.
Escolha do tema
Desde o início, para pensar meu projeto de doutorado, eu tinha em mente trabalhar viagens e mulheres, mas não sabia como ajustar essas duas categorias. Em meados de 2016/2017, comecei a ler artigos sobre a relação entre a viagem e o turismo, que são questões distintas, pois nem todo mundo que viaja faz turismo e, hoje, nem todo turismo tem uma viagem, um deslocamento em si. E vi que pouco havia sido publicado com relação à historiografia de viajantes e suas possíveis conexões com a atividade turística. Isso chamou minha atenção. Então, comecei a pesquisar mulheres viajantes para fazer relação com minha formação de turismóloga e encontrei Emília Snethlage e Elizabeth Agassiz. Precisava de uma brasileira e encontrei Heloísa Alberto Torres.
Após a qualificação, com o meu orientador, o professor Agenor Sarraf, escolhemos as duas mulheres do século XX (Emília e Heloísa). Também recebi orientações da banca em trabalhar mulheres cientistas e não viajantes, porque elas foram mulheres cientistas que viajaram. E foi assim que comecei a desenhar a tese, em pensar nessas duas cientistas que viajaram e desenvolveram pesquisas no Brasil e na Amazônia. As viagens foram o elemento pelo qual liguei o Turismo e a História. Pois, nessas viagens, elementos do que se conhece hoje como turismo moderno (transportes, hospedagem, alimentação) faziam parte do cotidiano dessas mulheres. E mais, ao entender e aprender sobre a teoria e a metodologia da História, vi a possibilidade de investigar a história do turismo na região amazônica. Daí surgiram dois projetos: um de extensão, sobre pesquisa de fontes sobre história do turismo em Belém, e um de ensino, para debater bibliografias sobre História e Turismo.
Emília Snethlage e Heloísa Alberto Torres
Emília Snethlage foi uma ornitóloga. Tinha título de doutora e começou atuando em museus na Europa. A vaga para auxiliar de zoologia no Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) veio das redes de contato de Emílio Goeldi na Europa. O cargo anteriormente era de um pesquisador. Emília veio de um ambiente masculino e aqui, em Belém, não foi diferente. Ela não foi a única a atuar no MPEG, Emílio Goeldi chegou a contratar duas mulheres: uma para trabalhar na biblioteca e outra na parte administrativa. Mas Emília, em virtude de sua graduação superior, estava no mesmo patamar de outros cientistas, dentro e fora da instituição. Já Heloísa Alberto Torres era antropóloga e entrou no Museu Nacional do Rio de Janeiro (MNRJ) em 1925. Lá ela enfrentou um concurso público com mais quatro candidatos. Mas o MNRJ já integrava mulheres, entre elas, Bertha Lutz, uma das pioneiras pelo voto feminino no Brasil. Então, Heloísa, de certa maneira, não encontrou um ambiente tão masculino em comparação com Emília.
Acredito que hoje essa diferença entre homens e mulheres na ciência ainda possua uma ressonância bastante contrastante. Para algumas pessoas, essa “luta” entre o masculino e o feminino na ciência parece estar sob um véu. Mas, durante minha pesquisa, li artigos sobre a participação de mulheres na ciência e surgiram discussões quanto à maternidade, por exemplo. Mulheres ficam de fora de pesquisas ao se tornarem mães, enquanto os homens continuam seus trabalhos. Mulheres pretas e suas lutas por espaço por serem mulheres e pretas, enfim, são debates importantes que devem ser levados em consideração.
Eu vejo as viagens feitas por essas duas mulheres como ponto de partida para entender que o mecanismo do deslocamento, os propósitos em busca de conhecimento e a utilização dos equipamentos - transportes, hospedagem, alimentação e guias - são elementos que propõem novas incursões para investigar o Turismo na Amazônia, por meio da História.
Desafios das cientistas na Amazônia
Emília Snethlage foi uma das primeiras pesquisadoras a fazer grandes viagens de estudos pela Amazônia, algumas nunca feitas por qualquer outro(a) cientista. Ela foi a primeira mulher a fazer uma pesquisa etnográfica na região do Xingu, pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), o que rendeu conhecimento nacional e internacional. Seus 28 dias de viagem entre o Xingu e o Tapajós, com alguns indígenas e pouca comida, resultaram em um de seus principais trabalhos. Ela também conseguiu finalizar uma obra iniciada por Emílio Goeldi: o Catálogo de Aves Amazônicas.
Quanto aos desafios, algumas fontes sugeriram que ela sofreu preconceito de gênero e preconceito por ser estrangeira, principalmente em virtude da I Guerra Mundial. Notícias sobre roubos de alimentos do MPEG e sobre a estrangeira alemã foram algumas das questões delicadas pelas quais ela passou.
Quanto à Heloísa Alberto Torres, posso dizer, fundamentada nas fontes, que ela foi uma antropóloga que fez pesquisa de gabinete e de campo. Essa foi a primeira relação que demonstrei na tese. Ela realizou uma pesquisa bibliográfica e de elementos que o MNRJ possuía sobre a arqueologia marajoara, e, em 1930, ela literalmente foi a campo. Essa viagem marcou a sua trajetória como antropóloga na instituição. Mas a tese mostrou-me que Heloísa foi gestora e articuladora das questões acerca do desenvolvimento da Antropologia no Brasil e de outras áreas como patrimônio histórico e indigenista. Ela esteve à frente da criação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e da Fundação Nacional do Índio (Funai). Heloísa também enfrentou crises internas, relacionadas ao seu gênero e “gênio” forte, apontaram algumas fontes. Porém isso não a impediu de ser a primeira mulher a dirigir o Museu Nacional por mais de 20 anos.
Principais conclusões
As teorias acerca da história das ciências, do gênero e do turismo ajudaram a pensar como as atividades profissionais dessas mulheres se entrelaçam com a história das mulheres no campo científico. As leituras realizadas sobre esse tema abriram possibilidades e recursos teóricos para afirmar que as mulheres na ciência sofreram, por anos, apagamentos históricos. Amparada nas leituras e discussões da história vista por Michelle Perrot e Edward Thompson, entendi o papel da classe feminina no campo historiográfico. Ao que concerne à relação entre gênero e ciência, Londa Schiebinger e Joan Scott cimentaram minhas ideias quanto às mulheres dentro dos laboratórios e no campo. E, assim, enxerguei os papéis de Emília e Heloísa. Por mais que na formação da história das ciências se acompanhe um processo histórico dominantemente masculino, essas duas cientistas deixaram seus legados. Com relação ao turismo, pude ampliar meu olhar e, por vários atravessamentos, as viagens de campo de Emília e Heloísa puderam ser vistas com novos vieses epistemológicos para entender o fenômeno e a experiência turística na região amazônica e, consequentemente, iniciar a história do turismo na Amazônia.
Beira do Rio edição 165 – Especial Mulheres e Meninas na Ciência
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