Opinião
A UFPA, a Interiorização e a luta pela terra na Amazônia
Por Elias Diniz Sacramento Foto Acervo Pessoal
Em 1987, quando foram criados diversos campi da Universidade Federal do Pará, levando o ensino superior para os filhos de trabalhadores rurais, ribeirinhos, quilombolas e indígenas, foi a sinalização de que o resultado de lutas de vários movimentos da sociedade organizada havia dado certo. Associações de professores, pastorais da Igreja Católica e sindicatos dos trabalhadores rurais de vários municípios haviam se engajado neste projeto. A Universidade não foi um presente concedido pelo governo federal e pelo Ministério da Educação, mas, o resultado dessas lutas.
Nos seus 37 anos de interiorização, iniciados pela construção dos campi, centenas de homens e mulheres conquistaram o tão sonhado diploma de ensino superior, uma vez que o estudo próximo de seus espaços de convivência possibilitou essa oportunidade. O resultado tem sido cada vez mais favorável. Diversos campi têm ampliado projetos que visam aproximar universidade e sociedade com possibilidades de formação para aqueles que têm dificuldade para chegar àqueles espaços. Assim, os polos universitários têm sido uma alternativa para não tirar dos municípios jovens que queiram ingressar em um curso superior.
No entanto é importante frisar que todas essas conquistas também são fruto das lutas dos movimentos e, sobretudo, de lideranças que não tiveram a mesma oportunidade, pelo contrário, muitos perderam suas vidas lutando por benefícios para todo um coletivo.
Meu pai foi uma dessas pessoas. Virgílio Serrão Sacramento lutou de forma incansável pela criação do Campus Universitário da UFPA, em Abaetetuba. Ele era presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Moju entre os anos de 1983 e 1986 e, com outras organizações sociais, se emprenhou para que o sonho se tornasse realidade, como aconteceu em 1987. Graças também a ele, professores leigos conseguiram se qualificar. Infelizmente, meu pai não viu nem um de seus filhos ingressarem no ensino superior. Dos seus onze filhos com a minha mãe, dez cursaram a universidade pública, quatro deles, na UFPA.
Por conta de outras lutas junto aos movimentos sociais, meu pai foi morto no dia 5 de abril de 1987. Era um domingo, à tarde, ele retornava da cidade de Moju para o sítio onde morávamos. A um quilômetro de casa, um caminhão bateu em sua moto, jogando-o no asfalto e espalhando os peixes que levava para o jantar. A morte nunca foi explicada, se foi acidente ou proposital.
Como filho formado em História, com mestrado e doutorado pela universidade que meu pai lutou para que fosse uma realidade mais próxima dos filhos dos trabalhadores, me dediquei a escrever sobre as questões voltadas para a luta pela terra na Amazônia. E, assim, nasceu o livro Luta pela terra na Amazônia: Mortos na luta pela terra! Vivos na luta pela terra!, no qual eu e Rogério Almeida, professor da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), oportunizamos a escrita de textos de amigos e de familiares (sobretudo, filhos) de lideranças assassinadas na luta pela terra.
O livro conta com artigos como o de Luzia Canuto, filha de João Canuto, liderança sindical assassinada em Rio Maria, sul do Pará, em 1985. Depois, em 1992, dois irmãos seus foram mortos. A perda do pai e dos dois irmãos se deu por conta dos conflitos de terra contra o latifúndio desta região. Outro texto é escrito por José Ribeiro de Sousa, sobrinho de Expedito Ribeiro, poeta e líder sindical morto em Rio Maria, no início dos anos 1990.
Há textos sobre lideranças religiosas assassinadas, como Dorothy Stang, Adelaide Molinari e Josimo Moraes Tavares. Também há relatos sobre as chacinas de trabalhadores, como a de Eldorado dos Carajás, além de casos envolvendo mortes de advogados como Paulo Fontelles, João Batista e Gabriel Pimenta. Há ainda duas entrevistas de dois ‘lutadores’ que sobreviveram a tantas ameaças de morte, uma, com Manoel Conceição dos Santos, e outra, com o padre Paulinho Joanil. O livro ainda traz a história de meu pai e de Benedito Alves Bandeira, o “Benezinho”, liderança sindical assassinada em Tomé-Açu, nordeste paraense, em 1984.
Resultado de quase dois anos de organização, a obra tem aproximadamente 800 páginas e conta com mais de 50 pessoas envolvidas, entre autores, revisores e colaboradores. Apresentar este trabalho neste momento em que o Brasil vive uma forte escalada da violência, como a morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Philips, é uma tarefa necessária.
É importante que a sociedade conheça pessoas que lutaram pela reforma agrária e, ao mesmo tempo, pela universalização do ensino para que filhos de trabalhadores tivessem acesso ao ensino superior. E como filhos dessas pessoas, heróis da nossa gente, o mínimo que podemos fazer é escrever suas memórias e histórias.
Elias Diniz Sacramento - É doutor em História pela Universidade Federal do Pará, professor da Faculdade de História do Campus Universitário do Baixo Tocantins/Cametá. É filho de Virgílio Serrão Sacramento, líder sindical, morto no dia 5 de julho de 1987, aos 44 anos de idade.
Beira do Rio edição 163
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