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Trans e Travestis: Os olhares de Belém

Escrito por Rosyane Rodrigues | Publicado: Quinta, 15 de Maio de 2025, 18h49 | Última atualização em Quinta, 15 de Maio de 2025, 18h54 | Acessos: 15

Pesquisa etnográfica flagra transfobia e racismo nas ruas da cidade

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Por Vinicius Gonçalves | Foto: Acervo de da pesquisa

Já parou para pensar como pessoas trans e travestis transitam pela cidade no dia a dia? Apesar de o ato de andar e conviver nos espaços da cidade ser algo tão simples, para pessoas transgênero pode ser um pesadelo. Essa socialização, que já é difícil para trans e travestis, fica pior quando essas pessoas são negras, pois, além da trans fobia, elas também ficam à mercê do racismo. Para quem é cisgênero e acredita que pessoas trans e travestis vivem à margem da sociedade, encontrá-las “sob a luz do dia” causa estranheza e olhares de julgamento.

A tese Olhares da/na ci(s)dade: transexualidades/travestilidades, raça e práticas nos espaços citadinos de Belém – “em plena luz do dia”, do antropólogo Gleidson Gomes, busca entender como pessoas trans e travestis, interlocutoras(es) da pesquisa, transitam não só no gênero, mas também na cidade. Inserida na Linha de pesquisa Antropologia Urbana, do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA/IFCH), a tese procura contribuir para o desenvolvimento desse campo de pesquisa em Belém.

Inicialmente, o estudo tinha outros rumos, mas, ao assistir à palestra de Rafael Carmo, homem trans negro, em 2018, o autor chegou ao tema atual. O antropólogo conta que as falas de Rafael Carmo sobre transexualidade chamaram sua atenção e daí surgiu a ideia da pesquisa.

O autor utilizou a etnografia como metodologia de pesquisa, que consiste em reunir a vivência e a observação nos espaços pesquisados. “Na Antropologia, entendemos que etnografia é método e teoria. A etnografia moderna se caracteriza pela convivência com um grupo social por determinado período de tempo, durante o qual, o/a pesquisador/a observa as características desse grupo, suas relações e cultura”, explica Gleidson.

Dados de campo foram obtidos durante caminhadas

O estudo apresenta relatos nos quais as(os) interlocutoras(es) refletem sobre suas vivências e atribuem sentido a elas. O autor utiliza a etnografia de rua como técnica de pesquisa para a construção das histórias de vida. As caminhadas pela cidade foram uma forma de “extrair”, desses “momentos etnográficos”, os dados de campo. Nessa etapa, destacou-se o olhar direcionado às pessoas trans e travestis, pois é no olhar que ocorre boa parte das interações silenciosas. Algumas das experiências vividas pelos interlocutores são de perseguição, transfobia ou mudança de espaços de convívio para sua própria proteção.

O estudo teve três objetivos específicos: o primeiro, com base nas narrativas dos interlocutores, era compreender como foi o processo de transição de gênero; o segundo era analisar quais conflitos de gênero e raça estiveram implicados nesses processos e o terceiro era descrever e interpretar como se figuram as práticas dos espaços citadinos de Belém pelas pessoas trans e travestis interlocutoras(es) na pesquisa.

O argumento central da tese é que, ao transitarem por Belém em plena luz do dia, as pessoas trans e travestis deparam--se com formas variadas de resistência à sua presença, tendo que conviver com a sensação de não pertencimento à ci(s)dade.

O autor realizou entrevista com cinco interlocutoras(es). Das questões levantadas em campo, estão os conflitos das pessoas trans e travestis com as normas de gênero impostas e a divisão cisgenerificada e racializada. O estudo também contemplou uma experiência do cotidiano em Belém, percebida nas interações e performances diárias, captadas nos microgestos (olhares e expressões faciais), quase sempre, de rejeição à presença de trans e travestis em locais públicos da ci(s)dade. Segundo as(os) interlocutoras(es), é o que mais as(os) incomoda.

Transfobia agrava as situações de racismo

Além da transfobia, o racismo também era percebido pelos interlocutores. Pessoas trans e travestis vivenciam o racismo de diferentes maneiras, antes e depois da transição de gênero. O sofrimento ocorre tanto em um corpo feminino quanto em um corpo masculino dentro dos padrões de gênero de uma sociedade cisgenerificada. Nesse caso, as situações de racismo são parecidas com as que ocorrem com pessoas cis pretas, contudo, agravadas por serem pessoas trans e travestis.

Uma hipótese levantada é que os espaços de prostituição na cidade não são mais espaços “privilegiados” da socialização de pessoas trans e travestis nem as referências de mulheres trans e travestis são travestis que trabalham como prostitutas. A suposição é que esse cenário tenha mudado.

Em Belém, estudos realizados citam como espaços de sociabilidade da comunidade LGBTQIAP+ a Praça da República e os bairros centrais. Atualmente, pesquisas mostram que o Centro ainda é o espaço de maior trânsito da comunidade, mas os espaços se estendem a bairros como Guamá, Marambaia e Cremação. É também na Praça da República que ocorre uma das manifestações LGBTQIAP+ mais antigas do país: a Festa da Chiquita.

Para Gleidson Gomes, entre as narrativas mais emocionantes, está a de uma mulher trans que, ao iniciar seu processo de transição, precisava vestir roupas masculinas em casa, vestindo-se como mulher apenas quando estava fora da sua residência. Ao voltar para casa, ela precisava se “descaracterizar” nova mente. Certo dia, durante o processo de pesquisa, Gleidson recebeu a notícia de que esta interlocutora foi encontrada sem vida, em um rio de Belém.

Sobre a pesquisa: A dissertação Olhares da/na ci(s)dade: transexualidades/travestilidades, raça e práticas nos espaços citadinos de Belém-PA “em plena luz do dia” foi defendida por Gleidson Gomes, em 2023, no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA/ IFCH) da Universidade Federal do Pará, com orientação do professor Flávio Leonel Silveira.

 Beira do Rio edição 174 - Março, Abril e Maio

 

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