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Africanidade

Publicado: Terça, 26 de Dezembro de 2023, 16h14 | Última atualização em Segunda, 19 de Fevereiro de 2024, 19h18 | Acessos: 1783

Abayomi: memória e identidade negra

Por Kelly Alvino Teixeira e Edivan Nascimento Pereira Foto Heloisa Torres

O racismo se constitui como um dos problemas mais urgentes do mundo hodierno, exigindo da sociedade civil e das instituições de ensino ações transformadoras para sua condenação e extinção. Nesse sentido, com o objetivo de promover a desconstrução de práticas racistas, bem como a valorização da memória e identidade negra na sociedade, a Comissão de Regularização Fundiária da Universidade Federal do Pará (CRF-UFPA), com o auxílio financeiro da Pró-Reitoria de Extensão (Proex/UFPA), desenvolveu, de março a outubro deste ano, o Projeto de Extensão Oficina de criação da Boneca Abayomi: Memória e identidade negra na Escola Mário Barbosa, da Terra Firme, em Belém (PA).

O tráfico ultramarino, ou tráfico negreiro, tornou-se atividade econômica essencial para o Império Português a partir do século XV. Esse círculo de diáspora perdurou entre os séculos XVI e XIX, gerando altos rendimentos aos negociantes de escravos africanos, aos comerciantes da colônia e à metrópole portuguesa (FLORENTINO, 1995). Conta-se que, durante a viagem da África para o Brasil, as mães, tentando acalmar as crianças, contavam histórias de seus antepassados enquanto faziam pequenas bonecas com pedaços de tecido de suas saias. Ao chegarem em território brasileiro, as bonecas acompanhavam as crianças, que eram separadas das famílias ali mesmo, no porto. Nesse contexto, a boneca Abayomi ganhou destaque, pois representou objeto de afetividade, resistência e identidade sociocultural. A palavra Abayomi tem origem na África do Sul, reúne as expressões Abay (encontro) omi (precioso), significando, em ioruba, “aquele que traz felicidade ou alegria”.

O processo de criação e transmissão do saber-fazer das bonecas Abayomi é concebido como linguagem artística e cultural, considerando que sua confecção se caracteriza como experimentação criativa e identitária, inserida no campo de lutas produzidas pelo movimento de mulheres negras brasileiras (GOMES; BIZARRIA; COLLET; SALES, 2017). As bonecas Abayomi se tornaram mais do que artesanato, são instrumentos de conscientização e de socialização, símbolos de resistência que corroboram a valorização da cultura afro-brasileira, sendo também um instrumento didático para promover representatividade e debater a discriminação racial com todos os públicos, sejam crianças, sejam jovens, sejam adultos (GOMES, 2003).

Foram desenvolvidas duas oficinas de confecção das bonecas Abayomi, alcançando 50 participantes. As oficinas foram divididas em quatro momentos: troca de conhecimento sobre os saberes dos participantes acerca da boneca Abayomi; explanação sobre a história da boneca; construção da boneca Abayomi e, no final da oficina, uma roda de conversa sobre a percepção dos participantes em relação à oficina. Optou-se pela roda de conversa, pois essa técnica de investigação permite que os participantes expressem, concomitantemente, impressões, conceitos, opiniões e concepções, assim como possibilita trabalhar reflexivamente as manifestações apresentadas.

As oficinas se constituíram como um importante instrumento antirracista, despertando a representatividade positiva entre os participantes, especificamente nas adolescentes negras, que, por meio da feitura das bonecas, demonstraram-se orgulhosas dos seus atributos fenotípicos, como a cor da pele, a textura do cabelo, o formato do nariz e dos lábios, entre outros. Além disso, as atividades foram difusoras da memória, arte, cultura e identidade afro-brasileiras, bem como proporcionaram reflexões imprescindíveis sobre identidade e representatividade negra e racismo.

Se “Exu matou um pássaro ontem, com uma pedra que só jogou hoje”, nós também, como sociedade, podemos tomar consciência das estruturas racistas construídas ontem, que nos alicerçam, e derrubá-las com as pedras atiradas hoje. As oficinas de feitura das bonecas Abayomi são pedras lançadas contra práticas racistas e com poder de derrubá-las.

Kelly Alvino Teixeira é graduada em Administração e especialista em Gestão Financeira, servidora da Universidade Federal do Pará (UFPA), coordenadora da Coordenadoria de Patrimônio Imóvel (CPI) e membra da Comissão de Regularização Fundiária (CRF). Possui experiência na Coordenação de Projetos de Pesquisa e Extensão em Políticas Públicas. E-mail: kelly@ufpa.br  e Edivan Nascimento Pereira é graduado em Direito pela UFPA. Vencedor da 27ª edição do Prêmio Jovem Cientista, 2013. Vencedor da 12ª edição do Prêmio AMAERJ Patrícia Acioli de Direitos Humanos, do TJRJ. Desenvolve pesquisas nas áreas de Direito Constitucional, Administrativo, Direitos Humanos e proteção às populações vulneráveis. E-mail: pereiraedivan42@gmail.com 

Beira do Rio edição 169

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