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Arquivos, memórias e afetos

Escrito por Beira do Rio | Publicado: Sexta, 09 de Agosto de 2019, 17h37 | Última atualização em Segunda, 12 de Agosto de 2019, 15h10 | Acessos: 3873

Estudo com acervo fotográfico discute novas possibilidades de organização

imagem sem descrição.

Por Walter Pinto Foto Geraldo Ramos 

Arquivos são primordialmente entendidos como repositórios documentais e espaços para consultas de fontes. Neles estão “adormecidos” documentos que servem à investigação em áreas distintas do conhecimento. Sua organização e classificação são uma preocupação da ciência arquivística. Para além dessa concepção tradicional de lugar em que documentos estão “adormecidos” à espera de quem os consulte, a pesquisadora Maria Madalena Felinto Pinho Ramos produziu uma dissertação no Programa de Pós-Graduação em Arte (PPGArtes/ICA), que propõe investigar o arquivo como locus prenhe de potência estética e movimento, disparador de memórias afetivas.

Partindo de um arquivo imagético real, constituído ao longo dos anos pelo fotógrafo paraense Geraldo Ramos, a pesquisadora lançou mão de ferramentas da História da Arte, da Antropologia e da Linguística, para propor experimentações de cunho conceitual e metodológico sobre os usos do arquivo. O estudo amalgama duas experiências: a do fotógrafo e a da pesquisadora em trabalhos de campo. Para além de repensar a organização e a montagem de um arquivo, a própria dissertação é uma experimentação na forma e no conteúdo. A escrita acadêmica convive com a escrita literária, sem abrir mão do rigor científico. A narrativa foi estruturada como um arquivo, composto por 12 divisórias, que guardam projeto de pesquisa, mapas de deslocamento, imagens geradas, corpo da narrativa, artigos, exposições, premiações e desdobramentos do estudo.

Em Uma poética no arquivo do artista: o contínuo desdobrar das paisagens da memória de Geraldo Ramos, a autora parte de duas indagações: por que remexer numa ordem que já está estabelecida? Qual a necessidade de cavoucar documentos imagéticos para deles emular o que estava arquivado? Orientada pela professora Bene Martins e na companhia de Aby Warburg, o pensador fundante da iconologia moderna, e de George Didi-Huberman, o papa da História da Arte, a pesquisadora explica que a proposta de montar e desmontar um arquivo se funda como movimento criador e também como um percurso do conhecimento, com o objetivo de repensar a história com imagens e memórias de quem as captou, neste caso, o fotógrafo Geraldo Ramos.

Das imagens captadas aos locais de residência e passagem 

Diante de um arquivo de imagens construído em mais de quarenta anos, provavelmente um dos maiores arquivos sobre a cultura, o homem e o ambiente amazônicos, a pesquisadora propôs um recorte mais afeito às limitações do tempo e aos objetivos da pesquisa. Optou por estabelecer um diálogo entre as memórias do fotógrafo e as imagens captadas nas casas em que residiu em Belém e em um lugar de trânsito contumaz, a Ilha das Onças. O sentido que o fotógrafo deu a esse arquivo afetivo se transformou no ponto mais importante para a pesquisadora.

Incentivada por Flávio Silveira Abreu, antropólogo e professor da UFPA, Madalena Felinto estudou o arquivo pelo viés da Antropologia. Madalena e Geraldo caminharam juntos por entre imagens e reminiscências nos bairros Nazaré, Cidade Velha, Batista Campos, Pedreira e pelo lugar de passagem, a Ilha das Onças. Neste caminhar, as memórias vieram à tona de diversas formas, como sons da época, cheiros, sensações, lembranças esmaecidas, risos, festas, enfim, vestígios de vida, que é o que interessa às Ciências Sociais.

Em campo, o trabalho revisitou espaços de afeto caros ao artista, como a casa dos avôs, no bairro Nazaré, ligada à primeira infância. Cadernos de campo registraram os deslocamentos da pesquisadora e do artista, o desenrolar da pesquisa, o dia a dia, o processo de produção da narrativa, a experimentação, os rascunhos, os devaneios da escrita, enfim, os desdobramentos da dissertação.

Baseada em um conceito de Didi-Huberman, as imagens arquivadas foram “desdobradas” em busca da reconstrução de um arquivo mais afeito às memórias afetivas do seu detentor. O que orientou a pesquisadora foi “a busca por possíveis respostas acerca das inquietações que envolvem o acesso e a abertura de um arquivo de artista, com os sentidos que são dados por ele”, afirma Madalena Felinto.

A dissertação de Madalena tratou também de uma questão delicada no campo acadêmico: a posição do pesquisador diante da sua pesquisa, haja vista a caminhada de ambos por paisagens de memória. “A banca levou em consideração como as paisagens da minha memória encontram com as paisagens da memória do Geraldo”.

Exposições e debates levam resultados ao público

Parte dos resultados do estudo foi disponibilizada para o público em forma de exposições, oficinas e seminários. Em experiências inusitadas, como realizar uma exposição em sala escura e substituir as imagens pela narrativa do fotógrafo sobre essas imagens, o público interagiu com o experimento, registrando em livro suas sensações.

Outra exposição trouxe no título a mimese com a pesquisa. Paisagens da Memória – Trajetórias de um olhar expôs ao público 33 fotografias selecionadas do acervo pessoal de Geraldo Ramos, com curadoria de Emanuel Franco. A organização da mostra seguiu a ótica da análise acadêmica realizada no mestrado de Madalena Felinto. Foi dela, inclusive, a ideia de inscrever o projeto da exposição no edital do Prêmio de Artes Visuais do Banco da Amazônia. A conquista do primeiro prêmio desdobrou-se, para além da exposição, em três oficinas e um ciclo de seminários.

Sobre a parceria com a pesquisadora, o fotógrafo considera uma satisfação pessoal: “sempre, quando mergulho no arquivo, tenho lembrança do caminho que percorri, o que me faz recordar dos fatos vividos”, revela Geraldo Ramos.

Madalena “acompanha” Geraldo desde 1970

Madalena Felinto era uma jovem adolescente, estudante do ensino médio, quando sua atenção foi despertada para uma fotografia de Geraldo Ramos. A imagem ficou guardada na memória pela carga de afeto que encerra. Era uma cena da década de 1970. Nela, o poeta Ruy Barata comemora seus 69 anos de vida abraçando carinhosamente o filho, Paulo André Barata, que canta uma de suas parcerias com o pai. O rosto do poeta, recostado às costas do parceiro, é a própria tradução de uma profunda sensação de amor e paz interior. A imagem valeu-lhe uma primeira reflexão acadêmica sobre a inversão no trato da relação: não era o pai apoiando o filho, mas o filho apoiando o pai. “Aquela imagem me despertou de alguma forma”, diz Madalena.

Como colecionadora, ela continuou a acompanhar a produção do fotógrafo por meio de imagens publicadas na revista Ver-o-Pará, na qual trabalhou por 13 anos. Muitas das imagens revelaram à pesquisadora uma Amazônia por vezes desconhecida, mas sempre rica em afetividade e significados. Seja a serviço da revista, seja como freelance, o fotógrafo perlustrou a Amazônia, passando por quase todos os municípios paraenses. Quarenta e cinco anos de atuação na região proporcionaram a construção de imenso acervo de imagens, originalmente organizadas por município. Madalena Felinto apresenta, com seu estudo, outra alternativa de organização, buscando estabelecer teias de significado e afeto entre imagens.

Ed.150 - Agosto e Setembro de 2019

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Uma poética no arquivo do artista: o contínuo desdobrar das paisagens da memória de Geraldo Ramos

Autora: Maria Madalena Felinto Pinho Ramos

Orientadora: Bene Martins

Programa de Pós-Graduação em Arte (PPGArtes/ICA)

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