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Opinião

Publicado: Segunda, 12 de Agosto de 2019, 15h48 | Última atualização em Segunda, 12 de Agosto de 2019, 16h04 | Acessos: 7752

Pesquisa sobre regeneração de nadadeiras e membros nos vertebrados pode contribuir para ampliar a capacidade regenerativa em humanos

Por Josane de Freitas Sousa e Aline Dragalzew Fotos Acervo da Pesquisa / Camila Guimarães

O potencial de regeneração varia muito entre os organismos. Enquanto muitos são capazes de repor certos tipos de células e tecidos, que são perdidos naturalmente ou danificados em circunstâncias eventuais, outros são capazes de reconstruir algumas partes ou até mesmo grandes porções do corpo que tenham sido perdidas. Entre os tetrápodes (animais de quatro patas, como os anfíbios, os répteis, as aves e os mamíferos), as salamandras (um tipo de anfíbio) são bastante conhecidas por apresentarem uma impressionante capacidade de regeneração. 

Esses animais são capazes de refazer completamente os membros (braços e pernas) e a cauda, após sofrerem a perda dessas estruturas.  Já os répteis, as aves e os mamíferos não são capazes de regeneração completa de partes do corpo, como membros ou cauda. Alguns lagartos (répteis) conseguem recompor a cauda, mas ela não é igual à original, em todas as suas estruturas e, portanto, não é considerado um caso de regeneração completa.

Além de salamandras, em que o potencial regenerativo já é bem caracterizado, a capacidade de refazer completamente uma estrutura complexa havia sido observada em outros poucos representantes dos vertebrados. Exemplos desses casos incluíam a regeneração de cauda em rãs e sapos antes da metamorfose e a regeneração de nadadeiras (estrutura da qual os membros dos tetrápodes evoluíram) em peixes pulmonados, grupo irmão dos tetrápodes.  Acreditava-se, assim, que a capacidade de realizar a regeneração de membros em todas as suas estruturas (músculo, ossos e até mesmo os nervos) fosse uma característica que apenas estes poucos grupos apresentavam, de maneira independente. 

O fato de ser uma habilidade rara entre os animais, mas observada em grupos distintos, levou nosso grupo a questionar a possibilidade de essa característica ter uma origem mais antiga, tendo surgido em um ancestral comum dos tetrápodes ou dos vertebrados e depois perdida nos répteis, nas aves e nos mamíferos, ao longo da evolução. O grupo de pesquisa do Laboratório de Evolução e Desenvolvimento do Instituto de Ciências Biológicas da UFPA, coordenado pelo professor Igor Schneider, vem se dedicando, então, a investigar a origem evolutiva da regeneração de membros. 

Recentemente, nosso grupo publicou artigo na revista Proceedings of the National Academy of the United States of America (PNAS) mostrando que representantes de diversos grupos de peixes atuais (incluindo grupos evolutivamente mais próximos e grupos mais distantes dos tetrápodes) possuem a capacidade de regenerar totalmente as nadadeiras peitorais após serem removidas ao nível do endoesqueleto, porção comparável à estrutura óssea de membros dos tetrápodes.

Entre sete espécies testadas nos ensaios de amputação, seis apresentaram capacidade de regeneração: gar-pintado ou boca-de-jacaré, (Lepisosteus oculatus), peixe-espátula (Polyodon spathula), acará-do-congo (Amatitlania nigrofasciata), oscar (Astronotus ocellatus), peixe-dourado (Carassius auratus) e bichir-de-senegal (Polypterus senegalus). Apenas o gourami-azul (Trichogaster trichopterus) não foi capaz de refazer a estrutura perdida.

A regeneração de apêndices pares (nadadeiras ou membros) apresenta, portanto, uma distribuição muito mais ampla entre representantes dos vertebrados do que se acreditava inicialmente. Isso sugere que a capacidade de regenerar apêndices pares seja uma característica mais antiga, originada no ancestral dos peixes, anteriormente à separação do grupo que originou os tetrápodes e que, ao longo da evolução, foi perdida em outras espécies, como nós, mamíferos.

O trabalho, que contou com a participação de pesquisadores do Instituto Tecnológico Vale, do Museu Paraense Emilio Goeldi, do Museu de História Natural de Berlin (Alemanha), da James Madison University e do Michigan State University (EUA), também investigou o programa genético ativado durante a regeneração de nadadeiras em peixes e de membros em salamandras. Utilizando uma metodologia chamada sequenciamento de RNA, foi possível ter acesso a todo o perfil de genes ativos (transcriptoma) durante a regeneração.

Com base na informação sobre quais são os genes que participam desse processo, nosso grupo mostrou que o conjunto de genes utilizado para a regeneração de nadadeiras do peixe africano Polypterus é bastante parecido com o usado por salamandras durante a regeneração de membros. Também identificamos um grupo de cerca de 200 genes ativados no início da regeneração que são comuns a salamandras e peixes. Eles não correspondem a genes que atuam durante a construção do membro ou de nadadeira durante o desenvolvimento embrionário, representando, assim, genes exclusivos ao processo de regeneração. Tal grupo de genes, que inclui vários envolvidos em resposta inflamatória e em resposta ao estresse, pode representar genes essenciais para disparar o processo da regeneração.

Além de contribuir para esclarecer sobre a origem e a evolução do processo de regeneração de membros e nadadeiras, o trabalho apresenta potenciais implicações para a Medicina Regenerativa. A caraterização de um programa genético de regeneração em salamandras e em peixes, que são capazes de realizar completamente a regeneração dos membros, pode permitir, no futuro, o desenvolvimento de abordagens para a ativação desse programa em outras espécies, como nos mamíferos, que não conseguem regenerar membros.

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Peixe bichir-de-senegal (Polypterus senegalus). Fotografia Camila Guimarães.

Nadadeiras do peixe bichir-de-senegal (Polypterus senegalus). Em A nadadeira diafanizada, após tratamento para colorir em azul a cartilagem; e em rosa, a porção óssea. Em B, nadadeira peitoral completa, enquanto em C e D, as nadadeiras estão em processo de regeneração, após serem removidas ao nível do endoesqueleto, porção comparável à estrutura óssea de membros dos tetrápodes; nadadeiras com 20 dias, após a remoção em C; e 40 dias, após a remoção em D. (acervo de pesquisa).

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Josane de Freitas Sousa – Prof. Visitante do Programa de Genética e Biologia Molecular, ICB-UFPA.

Aline Dragalzew – Pós-Doutoranda do Programa de Genética e Biologia Molecular, ICB-UFPA

Leitura sugerida:

  1. Darnet S, Dragalzew AC, Amaral DB, Sousa JF, Thompson AW, Cass AN, Lorena J, Pires ES, Costa CM, Sousa MP, Fröbisch NB, Oliveira G, Schneider PN, Davis MC, Braasch I, Schneider I. (2019) Deep evolutionary origin of limb and fin regeneration. Proc Natl Acad Sci U S A 116(30): 15106-15115. doi: 10.1073/pnas.1900475116.
  2. Nogueira AF, Costa CM, Lorena J, Moreira RN, Frota-Lima GN, Furtado C, Robinson M, Amemiya CT, Darnet S, Schneider I. (2016) Tetrapod limb and sarcopterygian fin regeneration share a core genetic programme. Nat Commun. 7:13364. doi: 10.1038/ncomms13364.

A versão original deste artigo pode ser lida em https://www.pnas.org/content/116/30/15106.long

Ed.150 - Agosto e Setembro de 2019

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