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Bagre azul: um peixe dedo-duro

Publicado: Sexta, 27 de Maio de 2022, 19h26 | Última atualização em Segunda, 30 de Maio de 2022, 17h29 | Acessos: 2853

Estudo testa espécie como biomonitor da qualidade da água

As fotos mostram momentos de medição do corpo, da cabeça e do cérebro do bagre azul, espécie analisada no estudo.
#ParaTodosLerem: O topo da página traz três imagens. Da esquerda para a direita: a primeira fotografia mostra o peixe bagre azul em cima de uma lâmina transparente. No lado do peixe, está uma fita métrica amarela. A região superior do peixe é cinza e sua região inferior é branca. A segunda fotografia mostra a cabeça do peixe bagre azul em cima de um recipiente plástico. A cabeça possui coloração cinza. Ao lado da cabeça, está uma régua transparente. A terceira fotografia mostra o cérebro do peixe bagre azul em cima de um recipiente plástico. Ao lado do cérebro, está uma régua transparente. O órgão possui coloração rosa-claro. Todas as imagens foram fotografadas de cima para baixo.
#ParaTodosLerem: O topo da página traz três imagens. Da esquerda para a direita: a primeira fotografia mostra o peixe bagre azul em cima de uma lâmina transparente. No lado do peixe, está uma fita métrica amarela. A região superior do peixe é cinza e sua região inferior é branca. A segunda fotografia mostra a cabeça do peixe bagre azul em cima de um recipiente plástico. A cabeça possui coloração cinza. Ao lado da cabeça, está uma régua transparente. A terceira fotografia mostra o cérebro do peixe bagre azul em cima de um recipiente plástico. Ao lado do cérebro, está uma régua transparente. O órgão possui coloração rosa-claro. Todas as imagens foram fotografadas de cima para baixo.

Por Bruno Roberto Fotos Acervo da Pesquisa

A tese do biólogo Leonardo Fernandes da Paixão, O Uso do Peixe (Sciades herzbergii) Como Biomonitor da Qualidade da Água no Litoral Amazônico, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia Aquática e Pesca (PPGEAP/ICB) da Universidade Federal do Pará, analisou o desempenho do peixe conhecido popularmente como bagre azul ou bagre-guribu na avaliação da qualidade da água de ecossistemas aquáticos. A pesquisa foi orientada pela professora Rosineide Martins Rocha e pelo professor Bruno Nunes.

O bagre azul pode ser encontrado em rios e estuários brasileiros e em outros países da América Latina. Importante na pesca artesanal, ele é uma das principais fontes de proteína para as comunidades ribeirinhas. Entretanto alguns locais em que o Sciades herzbergii reside sofrem com influência antrópica, principalmente de atividades industriais, que afetam a qualidade da água, impactando a vida aquática e a população. Para avaliar a qualidade, o estudo examina a hipótese de esse peixe ser um biomonitor.

Segundo Leonardo Paixão, biomonitores “são seres vivos que respondem às alterações ambientais” e servem, portanto, como ferramenta para qualificar o ambiente no qual eles estão inseridos. “Eu queria testar o bagre justamente para saber se ele traria uma resposta. Uma alteração celular ou tecidual nesse organismo já daria uma ideia de que os humanos estão entrando em contato com essas alterações, via cadeia trófica”, conta o autor.

Outra forma de avaliar a qualidade da água é por meio da medição de variáveis físicas e químicas, como temperatura, pH e salinidade. Contudo a tese afirma que esse método é insuficiente, pois os efeitos da contaminação da água tendem a se manifestar após longos períodos de exposição. Assim, optou-se pelos parâmetros biológicos.

“A pesquisa foi realizada em campo, através de coletas sazonais, durante dois anos, em uma área possivelmente impactada e em outra, como referência. Foram coletados dados abióticos relacionados à água, amostras da água e do sedimento, além da coleta do peixe, como possível biomonitor”, explica o pesquisador. Um dos pontos de coleta (área I) é o estuário do rio Caeté (Bragança/PA), onde não há histórico de contaminação. O outro ponto de coleta (área II) é a bacia de São Marcos, na qual o complexo portuário de São Luís/MA está estabelecido, sendo local de atuação para cerca de 30 empresas, como Petrobras, Alumar e Companhia Vale do Rio Doce.

Bacia de São Marcos: 95% dos peixes tinham lesões

De acordo com Leonardo Paixão, foi investigada a reação dos peixes aos ambientes mediante biomarcadores, que são “respostas biológicas que podem ser quantificadas, em consequência do agente estressor”. No caso do bagre azul, as brânquias e o fígado têm suas estruturas e funções afetadas na presença de contaminantes. Além desses órgãos, pôde ser analisada a presença de caspase-3, enzima que atua na apoptose (morte celular programada). Os agentes estressores aumentam a produção dessa enzima, sendo que o excesso de apoptose causa danos ao organismo.

Diante disso, em um primeiro momento, o autor investigou as alterações histológicas e a ocorrência de caspase-3 nas brânquias e no fígado do bagre azul. Foram coletados 352 peixes, 176 em cada área, durante os períodos seco e chuvoso. Após medir a massa e o comprimento dos animais, realizou o cálculo do valor médio de alteração e do índice de alteração histopatológica, com base na incidência e na severidade de lesões, respectivamente. Ao mesmo tempo, no processo de imunomarcação, incubou cortes de brânquias e fígado em anticorpos anticaspase-3 para detectar a presença da enzima.

Os resultados indicam que 88% dos peixes coletados na área I não apresentaram lesões nos tecidos branquial e hepático, diferentemente dos 95% dos bagres com lesões nesses tecidos, coletados na área II. A respeito das caspases, na área I, apenas as células de cloreto nas brânquias com hiperplasia lamelar estavam imunomarcadas. Na área II, as espécimes apresentaram imunomarcação em todas as lesões: hiperplasia, elevação epitelial, fusão lamelar e aneurisma, isto é, maior indicativo de apoptose.

Os dados também apontam que os peixes da área II eram menores e mais leves, “provavelmente porque tínhamos contaminantes (na água) acima dos níveis aceitáveis, e isso, de alguma forma, influenciou na taxa de crescimento. O peixe deve ter alocado certa quantidade de energia para metabolização do xenobiótico (composto estranho ao organismo), e essa energia faltou para o crescimento e engorda dele”, explica Leonardo Paixão.

Locais de captura também passam por análise

A tese também aborda os biomarcadores bioquímicos, como a Glutationa S-Transferase (GST), a catalase (CAT), os hidroperóxidos lipídicos (LPO) e a acetilcolinesterase (AChE). As enzimas antioxidantes GST e CAT atuam no controle do estresse oxidativo, gerado pelo acúmulo de metais em um organismo. Esse estresse resulta na deterioração oxidativa dos lipídios das membranas, que aumenta o LPO. A AChE é importante para o funcionamento do sistema nervoso e tem sua atividade alterada com os contaminantes.

Em um segundo momento, o estudo avaliou os biomarcadores bioquímicos no Sciades herzbergii e a ocorrência de metais nos sedimentos de fundo e nos tecidos do animal. Foram coletados 160 bagres azuis nas áreas I e II, durante os períodos seco e chuvoso, e sedimentos presentes nos locais de captura dos peixes.

Os dados obtidos atestam uma concentração maior de metais nos tecidos braquial, hepático e nervoso e nos sedimentos da área II, em decorrência do complexo portuário. Acerca dos parâmetros bioquímicos, os resultados indicam que houve mais atividade enzimática (GST e CAT) na área II, pois, conforme sugestão dada pela pesquisa, a concentração dos metais gera um estresse oxidativo, provocando um esforço antioxidante das enzimas.

Em relação aos LPO e à AChE, não houve diferença significativa entre as áreas. Quanto aos LPO, o estudo indica que, possivelmente, as atividades de GST e CAT foram eficazes para prevenir danos oxidativos nos lipídios das membranas. Sobre a AChE, a pesquisa ressalta que os efeitos dos compostos metálicos nas enzimas colinesterases variam e não dependem exclusivamente da quantidade de metal absorvida.

Nos dois momentos de coleta, foram mensurados os fatores abióticos da água em que os peixes estavam, como turbidez, salinidade, pH, condutividade elétrica, temperatura e oxigênio dissolvido. A área II apresentou dados que apontam para uma pior qualidade da água, dada a influência da atividade portuária. Nas duas coletas, não houve diferença dos resultados entre os períodos sazonais, somente entre as áreas.

A tese concluiu que a espécie Sciades herzbergii é um excelente biomonitor da qualidade da água, visto que ela responde aos impactos no meio ambiente por intermédio dos seus biomarcadores, que fornecem indícios de que os peixes sofreram lesões no contato com metais. Dessa maneira, as comunidades que utilizam essa espécie no cotidiano serão beneficiadas, pois, “a partir da testagem, eu posso inferir que uma área possivelmente contaminada está contaminando o peixe”, encerra Leonardo Paixão.

Beira do Rio edição 163

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