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Eles são solteiros, pardos e católicos

Publicado: Sexta, 05 de Outubro de 2018, 14h06 | Última atualização em Segunda, 22 de Outubro de 2018, 17h18 | Acessos: 3863

O perfil dos agressores e da violência praticada em Belém

Por Nicole França Foto Darwin Guevarra / Free Images

Em julho deste ano, mais um caso de violência contra a mulher chocou o País. Em imagens divulgadas pelo programa Fantástico, da TV Globo, foi possível assistir a um professor de Biologia praticando uma série de agressões contra sua esposa, uma jovem advogada que acabou morta. Tendo em vista que esse tipo de episódio ocorre com várias mulheres em todo o Brasil, Maria do Socorro Barros Moraes elaborou a dissertação Homens autores de violência conjugal: caracterização biopsicossocial, tipos de agressão praticada e suas consequências processuais. A pesquisa foi apresentada no Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento (PPGTPC) e orientada pela professora Lília Iêda Chaves Cavalcante.

“Eu trabalho no Tribunal de Justiça como mediadora de conflitos familiares, e nos atendimentos havia muitos relatos de violência. Foi assim que esta temática aguçou a minha curiosidade. Pesquisando um pouco sobre violência doméstica, verifiquei que a maioria dos artigos trabalhava a violência na perspectiva da vítima. Em razão disso, me interessei em pesquisar o aspecto do autor da violência”, afirmou a pesquisadora.

A dissertação é um estudo documental e buscou identificar o perfil biopsicossocial dos autores de agressão na relação conjugal, partindo das características sociodemográficas e biopsicológicas, além de indicar o tipo de agressão praticada e o percurso processual que o autor veio a passar. Para isso, foram analisados 150 processos que haviam sido sentenciados em uma Vara Especializada em Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, em Belém. Maria do Socorro Moraes buscou analisar os casos de acordo com os seguintes critérios: ter sido sentenciado no ano de 2015; ser processo de ação penal; envolver violência por parceiro íntimo em relações heterossexuais; ser homem o denunciado pela violência.

Nos segmentos sociodemográficos, foram verificados aspectos como faixa etária, estado civil, cor/etnia, religião, grau de escolaridade, situação de trabalho, profissão/ocupação, renda, condição e bairro de moradia. Nos aspectos biopsicológicos, foram analisados: ocorrência do uso de álcool ou drogas ilícitas, condição de saúde, nível de agressividade, dificuldade em lidar com a frustração, humor irritável, ciúme e dependência afetiva. Foram avaliadas também as características da relação afetiva do casal, como número de filhos, tempo de relação, situação da relação no ato da agressão e após, tempo de separação, vínculo afetivo do autor com a vítima, residência de ambos antes e depois da violência, ocorrência de agressões anteriores e seus registros. Por fim, foi estudado o tipo de agressão, o local de sua ocorrência e o dia da semana.

68% dos acusados têm comportamento agressivo 

Com base na análise dos dados levantados na pesquisa, foi possível constatar que, nos aspectos sociodemográficos, os homens com idade entre 24 e 34 anos possuem as maiores taxas com relação à violência. A maioria deles é solteiro, pardo, católico e tem escolaridade até o ensino fundamental. Além disso, a pesquisa verificou que pouco mais da metade dos autores de violência desempenhava uma atividade remunerada.

Com relação às características biopsicológicas, foi inferido que a maioria dos agressores faz uso de bebida alcoólica e de drogas ilícitas. Verificou-se, também, que 68% dos acusados apresentaram comportamento agressivo, além de 26,7% terem dificuldade de lidar com a frustração. 13,3% dos homens analisados apresentavam humor irritável e 18% apresentavam ciúme exacerbado em relação à vítima e dependência afetiva de suas parceiras.

Quanto às características da relação afetiva, os resultados apontaram que a maioria das relações durou entre quatro e sete anos, sendo que 59,3% dessas relações estavam rompidas no momento da denúncia da agressão. Apesar de a maioria dos autores da agressão ser indicada como ex-parceiro, o percentual de atuais parceiros como agressores ainda é grande, representando 42%. Em 65,3% dos casos analisados, já existia a ocorrência de atos de violência anteriores, sendo 32% deles não denunciados aos órgãos de proteção, dos quais 51% fazem referência à violência física.

Analisando os tipos de violência física, Maria do Socorro Moraes pôde constatar uma igualdade entre as taxas de agressão física e agressão psicológica. A pesquisadora ressalta que algumas mulheres sofreram mais de um tipo de violência e grande parte dos casos ocorreu na residência do casal, aos finais de semana e no período da noite.

A pesquisadora analisou, ainda, o percurso processual passado pelo autor da agressão. 62,7% dos inquiridos negaram a agressão e 36,7% não compareceram às audiências. No entanto 42,7% dos denunciados foram considerados culpados e receberam uma sentença condenatória de 1 a 2 meses de prisão.

A violência está presente em todas as classes

Os resultados da pesquisa indicaram que a maioria dos autores de violência pertence a uma classe social mais baixa. Porém a pesquisadora ressalta que a violência conjugal não ocorre somente nessa classe social. “Com a pesquisa, demos um pontapé inicial para o mapeamento desse tipo de violência na nossa cidade, pois não encontrei nenhum outro estudo que trouxesse dados sobre os agressores de Belém, e aí cabe uma pergunta: é só a classe baixa que agride? Tenho certeza de que não! É provável que as pessoas com maior poder aquisitivo busquem outras formas de resolver conflitos conjugais. A terapia de casal é uma delas. Além de omitir a violência, uma vez que existe um aparato social para responder, esse tipo de violência demora mais para chegar às instituições públicas”, avalia.

A presença da violência conjugal entre pessoas de alto poder aquisitivo pode ser constatada no caso relatado no início da reportagem. “Este e inúmeros outros casos semelhantes acontecem, e nós, muitas vezes, acabamos contribuindo com isso, obedecendo ao dito popular ‘em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher’, o que me faz questionar: Até quando as pessoas ficarão de braços cruzados para a violência conjugal e para a violência contra a mulher?”, reflete Maria do Socorro Barros Moraes.

Para a autora do estudo, a importância da pesquisa está relacionada, principalmente, à análise do homem agressor. “É importante refletir sobre quem é esse agressor e como fazer algo em prol desse homem, para que ele saia dessa condição, entenda o seu papel social e a dinâmica relacional, transformando os seus próximos relacionamentos em relações de prazer e não de dor”, concluiu.

Tipos de agressão praticada

• Agressão física com uso de força 60,7%
• Agressão física com uso de arma 7,3%
• Agressão psicológica com ameaça de morte 38%
• Agressão psicológica sem ameaça de morte 30%
• Agressão sexual 2%
• Agressão moral 22,7%
• Agressão patrimonial 7,3%

Fonte:  MORAES, 2018

Ed.145 - Outubro e Novembro de 2018

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Homens autores de violência conjugal: caracterização biopsicossocial, tipos de agressão praticada e suas consequências processuais

Autora: Maria do Socorro Barros Moraes

Orientadora: Lília Iêda Chaves Cavalcante

Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento (PPGTPC)

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